Parábolas da Natureza
por Margaret Gatty
Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
Uma Lição De FéA Lei Da Autoridade E Obediência
A Terra Desconhecida
Treinanda E Restringindo
Esperando
A Lei Da Floresta
O Pão De Cada Dia
Teias De Aranha
Uma Lição De Fé
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
"Morrendo o homem, porventura tornará a viver? Todos os dias da minha luta esperaria, até que eu fosse substituído. Jó 14:14." (Jó 14:14, ARA)
"Posso contratá-la para cuidar dos meus pobres filhinhos?", uma borboleta perguntou a uma lagarta quieta que caminhava ao longo de uma folha de repolho, do seu jeito lento e desajeitado. "Olhe para esses ovinhos indefesos", continuou a borboleta, "não sei quanto tempo levará até que eles eclodam, e não estou me sentindo muito bem. Sinto-me fraca e cansada, e se eu morrer, quem cuidará das minhas borboletinhas? Você cuidaria delas, gentil e amável lagarta verde? Você terá de ter cuidado com o que elas comem; elas não conseguirão comer as coisas pesadas que você come. Você terá de dar a elas orvalho cedo pela manhã, e o néctar das flores. Você terá de garantir que elas voem apenas um pouco no começo, já que elas não conseguirão usar suas asas no início. Poxa, querida, é uma pena que você não possa voar! Mas eu não tenho tempo para procurar outro cuidador, então espero que você faça o seu melhor por elas. Que coisa! Não sei o que deu em mim para pôr os ovos em uma folha de repolho! Que lugar para as borboletinhas nascerem! Mas você prometerá ser gentil com elas, não é? Aqui, você pode ficar com este pó dourado das minhas asas como pagamento. Nossa, estou tão tonta! Lagarta, tome cuidado com a comida delas, e lembre-se de não..."
E com estas palavras, a borboleta fechou os olhos... e morreu. A lagarta verde nem teve a chance de dizer sim ou não ao pedido dela. Ela ficou sozinha ao lado dos ovos da borboleta.
"Pobre senhora! Não estou em condições de cuidar dos filhotes dela", exclamou a lagarta. "Isso não vai ser fácil. Ela devia estar desesperada, ou então nunca teria pedido a uma pobre criatura rastejante como eu para criar seus filhinhos delicados! Eles provavelmente não vão me ouvir quando sentirem suas belas asinhas nas costas e descobrirem que podem voar para longe de mim quando quiserem. Que coisa! Algumas pessoas não têm bom senso, apesar de suas roupas lindamente coloridas e pó dourado em suas asas."
Mas a pobre borboleta estava morta, e lá estavam seus pobres ovos abandonados na folha de repolho. A lagarta verde tinha um coração bondoso, então decidiu tentar fazer o melhor que podia. Mas ela estava tão ansiosa e preocupada que não conseguiu dormir naquela noite. Suas costas começaram a doer de tanto caminhar ao redor dos ovos durante toda a noite para garantir que nenhum mal lhes acontecesse. Pela manhã, ela disse a si mesma:
"Duas cabeças pensam melhor do que uma. Vou buscar conselhos de outro animal sábio sobre isso. Como uma pobre criatura rastejante como eu deveria saber o que fazer sem conselhos sábios?"
Mas ainda havia a questão de quem seria a pessoa certa para perguntar. Havia o cachorro marrom peludo que vinha ao jardim às vezes. Mas ele era tão bruto! Provavelmente, ele varreria todos os ovos da borboleta com um roçar de seu rabo se chamasse ele, e ela nunca se perdoaria. Havia também o gato que às vezes se sentava debaixo da macieira, aquecendo sua pelagem no sol. Mas ele era tão egoísta e antissocial. Ele nunca se preocuparia com os ovos de borboleta. "Quem é o animal mais sábio que conheço?" pensou a lagarta aflita. Ela pensou e pensou, até que se lembrou dos pássaros. Uma vez que os pássaros voam tão alto no ar e ninguém sabe para onde vão, eles devem ser muito espertos e saber muito. A ideia de glória perfeita da lagarta era subir muito alto. Como ela não podia fazer isso sozinha, ela tinha grande respeito por quem conseguia.
Uma cotovia morava no campo de milho ao lado, então a lagarta mandou uma mensagem para ela, implorando para que viesse conversar. Quando ela chegou, a lagarta contou todas as suas preocupações e perguntou o que deveria fazer, e como alimentar e criar os filhotinhos que seriam tão diferentes dela.
"Talvez você possa perguntar sobre isso da próxima vez que voar alto, e então me trazer uma resposta?" ela perguntou timidamente.
A cotovia disse que talvez pudesse fazer isso, mas não deu conselho. Pouco depois, ela começou a cantar e a subir para o alto no céu azul. Aos poucos, sua voz foi desaparecendo à distância, até que a lagarta verde não pôde mais ouvi-la. É claro, ela também não conseguia vê-la. Mesmo nos melhores momentos, a lagarta nunca conseguia enxergar muito longe, e era difícil olhar para cima, mesmo se levantando cuidadosamente o máximo que podia. Tentou agora, mas não adiantou, então voltou a andar ao redor dos ovos de borboleta, beliscando um pouco da folha de repolho enquanto caminhava.
"A cotovia realmente está demorando muito!", exclamou ela por fim. "Eu me pergunto onde ela está agora. Eu daria todas as minhas patas para saber! Ela deve ter voado mais alto do que o normal desta vez. Eu adoraria saber onde ela vai e o que ela ouve em suas viagens. Ela está sempre cantando sobre subir e descer, mas nunca compartilha onde esteve ou o que acontece lá. Espero que ela volte logo."
E a lagarta verde caminhou mais uma vez ao redor dos ovos.
Finalmente, ela pôde ouvir a voz da cotovia novamente. A lagarta quase pulou de alegria, e em poucos minutos, viu sua amiga descer com cantos suaves no jardim de repolhos.
"Eu tenho notícias, notícias maravilhosas, amiga lagarta!" cantou a cotovia. "Infelizmente, você não vai acreditar no que tenho para te contar."
"Ora ora, eu sempre acredito no que me dizem", disse a lagarta rapidamente.
"Então, tudo bem. Em primeiro lugar, eu sei o que essas pequenas criaturas comem. Você nunca vai adivinhar!"
"Orvalho e néctar de flores, suponho", suspirou a lagarta, imaginando como ela conseguiria obter isso para eles.
"Não, isso não está correto. É muito mais simples do que isso. Algo que você pode obter facilmente!"
"Mas eu só consigo alcançar folhas de repolho", murmurou a lagarta angustiada.
"Sim! Bom palpite!", exclamou a cotovia animada. "Isso mesmo! Você deve alimentá-los com folhas de repolho."
"Eu nunca seria capaz disso!", disse a lagarta indignada. "Foi o ùltimo pedido de sua mãe moribunda que eu os alimentasse com orvalho e néctar de flores."
"A mãe moribunda deles não sabia de nada", insistiu a cotovia. "Mas por que se preocupar em me perguntar se você não vai acreditar no que digo? Você não tem fé nem confiança."
"Mas eu sempre acredito no que me dizem", insistiu a lagarta.
"Não, você não acredita", respondeu a cotovia. "Você não acredita no que acabei de lhe dizer sobre a alimentação das borboletas, mas isso é apenas o começo do que tenho para lhe contar. Lagarta, você tem ideia do que esses pequenos ovos irão se tornar?"
"Borboletas, é claro", disse a lagarta.
"Não, largartas!" cantou a cotovia. "Mas você descobrirá por si mesma com o tempo". E a cotovia voou embora. Ela não fazia questão de ficar e discutir sobre isso com sua amiga.
"Eu sempre achei que a cotovia era sábia e gentil", pensou a gentil lagarta verde, começando sua caminhada ao redor dos ovos novamente. "No entanto, ela acabou sendo insolente e tola. Talvez ela tenha subido um pouco alto demais desta vez e isso tenha perturbado sua mente. É uma pena quando aqueles que têm chance de voar tão alto acabam sendo rudes e tolos. E ainda assim, eu gostaria de saber aonde ela vai e o que ela faz lá em cima."
"Ficaria feliz em lhe contar se você acreditasse em mim", cantou a cotovia, voando novamente em sua direção.
"Eu sempre acredito no que me dizem", lembrou-lhe a lagarta, com uma expressão séria. Evidentemente, ela ainda acreditava nisso.
"Então vou lhe contar outra coisa", exclamou a cotovia. "Ainda não lhe contei a melhor parte de todas. Um dia, você mesma se tornará uma borboleta!"
"Como você se atreve a zombar de mim!", gritou a lagarta. "Você está fazendo piadas com a minha inferioridade. Você não é apenas tola, você também é cruel! Vá embora! Eu nunca mais vou lhe pedir conselhos!"
"Eu disse que você não acreditaria em mim", disse a cotovia, irritada.
"Eu sempre acredito no que me dizem", insistiu a lagarta. "Pelo menos", e ela hesitou, "eu acredito no que é razoável acreditar. Mas você está tentando me dizer que as borboletas bebês são lagartas, e que as lagartas eventualmente adquirem asas e se tornam borboletas! Cotovia, você é inteligente demais para acreditar em mentiras tão absurdas; você sabe que não é possível!"
"Eu não sei disso", gritou a cotovia com raiva, "Quer eu esteja pairando sobre os campos de milho perto do chão ou subindo alto no céu, vejo tantas coisas incríveis que não tenho motivos para duvidar de outras maravilhas surpreendentes. Céus, lagarta, é apenas porque você rasteja e nunca vai além de sua própria folha de repolho que você pode chamar qualquer coisa de impossível."
"Isso é absurdo", gritou a lagarta. "Eu sei o que é e o que não é possível por causa da minha experiência pessoal e habilidade, tanto quanto você. Olhe para o meu corpo verde longo e o nùmero infinito de patas, e então tente me dizer que um dia terei asas e um casaco colorido de penas. Apenas um tolo acreditaria nisso!"
Pelo contrário, você que deseja ser sábia", exclamou a cotovia indignada. "Você é a tola! Você está tentando compreender coisas que não pode entender. Não consegue ouvir o quão feliz é a minha canção e como eu me alegro ao subir para o mundo misterioso de maravilhas acima? Poxa, lagarta! Por que você não pode receber o conhecimento que vem de lá com confiança, como eu faço?"
"Isso é o que você chama..."
"Eu chamo isso de fé", interrompeu a cotovia.
Nesse exato momento, a lagarta sentiu algo ao seu lado. Quando ela olhou para baixo, quase uma dùzia de lagartas verdes pequeninas estavam se movendo e já roíam as folhas de repolho fazendo buracos. Elas haviam nascido dos ovos da borboleta!
A lagarta ficou cheia de vergonha e admiração, mas logo se encheu de alegria. Afinal, se a primeira impossibilidade havia acontecido, por que não a segunda? " Incrível, cotovia!" ela diria, e a cotovia cantaria para ela sobre as maravilhas da terra perto do chão e as maravilhas do céu acima. E a partir desse momento, a lagarta passou o resto de sua vida contando a todos os seus parentes sobre o dia maravilhoso em que ela se tornaria uma borboleta.
Mas nenhum deles acreditava nela. No entanto, ela mesma havia aprendido a lição da cotovia sobre a fé. Quando chegou a hora de entrar em sua sepultura de crisálida, ela disse: "Um dia, serei uma borboleta!"
Seus parentes pensaram que sua mente estava confusa e disseram: "Coitada, está tão confusa!"
E quando ela emergiu como uma borboleta, e chegou sua hora de morrer, ela disse:
"Eu tenho testemunhado tantas coisas incríveis. Eu tenho fé, então posso confiar mesmo agora, seja lá o que for acontecer a seguir!
A Lei Da Autoridade E Obediência
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
"Quem te constituiu governante e juiz sobre nós?" (Atos 7:27)
Num lindo dia de verão, uma jovem e forte abelha operária deixou a colmeia para colher o néctar das flores. O sol brilhava forte e o ar estava quente, então a abelha voou por uma longa, longa distância. Por fim, ela chegou a um jardim lindo e alegre. Voou sem rumo para dentro e para fora das flores, zumbindo alegremente, até ficar tão carregada com o precioso pólen que não conseguiu coletar mais. Nesse momento, ela pensou que voltaria para casa. Mas quando estava começando a viagem de volta, acidentalmente voou pela janela aberta de uma casa de campo e se viu em uma grande sala de jantar. Havia muito barulho e agitação porque era hora do jantar e as pessoas à mesa falavam muito alto. A abelha começou a ficar com medo. Apesar do medo, ela tentou provar algumas sobremesas tentadoras que estavam sobre a mesa. De repente, ouviu uma criança gritar: "Nossa, tem uma abelha ali! Quero pegá-la!" A abelha voou rapidamente para tentar sair pela janela e voltar para o ar livre. Mas, infelizmente, ela descobriu que havia se jogado contra uma parede invisível. Na verdade, era o vidro de uma janela fechada, mas a abelha estava tão assustada e confusa que não conseguiu ver a diferença. Essa surpresa a deixou aflita. Ela tentou desesperadamente encontrar a abertura pela qual havia entrado, até ficar exausta. Finalmente, começou a andar para cima e para baixo na moldura de madeira na parte inferior da janela, esperando se acalmar e ganhar força.
Enquanto andava de um lado para o outro, sua atenção foi atraída pela voz suave de duas crianças que estavam ajoelhadas olhando para ela.
Uma criança, um garotinho, disse à outra: "Esta é uma abelha operária, irmã. Consigo ver os cestos de pólen sob suas pernas. Que abelha bonita! Veja como ela tem estado ocupada coletando pólen."
"Ela mesma faz cera e pólen?" sussurrou a garotinha.
"Ela os pega do interior das flores. Lembra-se de como uma vez vimos as abelhas voando para dentro e para fora dos açafrões? Nós rimos delas porque estavam tão ocupadas e agitadas, e seus pelos escuros pareciam tão bonitos contra as folhas amarelas. Eu gostaria de ter visto esta abelha coletando hoje. Mas as abelhas fazem mais do que isso. Elas constroem um favo de mel e fazem praticamente tudo. Ela é uma abelha operária, pobre tola miserável."
"O que é uma abelha operária? E por que ela é uma 'pobre tola miserável', irmão?"
"Bem, o tio Collins diz que qualquer um que tem de trabalhar para outras pessoas em vez de trabalhar para si mesmo é um tolo miserável. E é exatamente isso que esta abelha faz. Há uma abelha rainha na colmeia que não faz nada além de ficar em casa dando ordens e acariciando as abelhinhas. Todas as outras abelhas têm de esperar por ela e fazer tudo o que ela diz. E há zangões -- abelhas macho, que ficam o tempo todo de preguiça. E também há abelhas trabalhadoras, como esta aqui, e elas fazem todo o trabalho para todo mundo. Tio Collins riria delas se soubesse!"
"O tio Collins não entende de abelhas?"
"Não, acho que não. Foi o jardineiro que me falou sobre as abelhas. Além disso, se o tio Collins descobrisse que elas não conseguem viver sem uma rainha, ele não pararia de provocá-las e falar sobre elas. Ainda ontem, eu ouvi dizer que a existência de reis e rainhas era contra a natureza. Ele disse que a natureza nunca faz de uma pessoa um rei e outra pessoa um sapateiro; ela os faz iguais. Ele diz que isso prova que reis e rainhas são injustos e desleais."
"As abelhas não têm bom senso para saber coisa alguma sobre isso", disse a garotinha suavemente.
"Não, claro que não. Mas todas aquelas abelhas operárias ficariam realmente loucas se soubessem o que mais o jardineiro me disse!"
"O que é que ele disse?"
"Bem, ele disse que as abelhas operárias são exatamente iguais à rainha quando nascem. Não há diferença alguma. É apenas a comida que é dada a elas e o formato da célula em que vivem que faz a diferença. As abelhas babás cuidam disso. Elas fornecem a algumas abelhas um tipo de alimento, e a outras abelhas outro tipo, e fazem as células em formas diferentes. Assim, alguns filhotes de abelhas se tornam rainhas, e o resto deve ser abelhas operárias. É exatamente o que o tio Collins diz sobre reis e sapateiros. A natureza os faz todos iguais. Nossa! O jantar acabou, temos que ir!
"Deixe-me soltar a abelha primeiro", disse a garotinha. Ela atraiu a abelha para seu lenço, e então olhou gentilmente para ela e disse: "Sua pobre tola miserável. Você poderia ter sido uma rainha se eles tivessem lhe dado o tipo certo de comida e feito para você o tipo certo de célula. Que pena que não fizeram! Mas como não o fizeram, ela começou a falar em tom de brincadeira, então -- minha boa amiga -- você terá de trabalhar duro e seguir em frente por toda a sua vida, fazendo cera e mel. Agora, vá para casa e boa sorte em seus trabalhos!" E com essas palavras, ela agitou seu lenço pela janela aberta, e a abelha se viu voando mais uma vez ao ar livre, liberta.
Era uma tarde linda! Mas a abelha liberta não pensava assim. O sol ainda brilhava, embora estivesse mais baixo no céu. A luz estava mais suave, as sombras mais longas e as flores mais perfumadas do que nunca. Mas a pobre abelha sentiu como se uma nuvem pesada estivesse sobre seu pequeno coração. Ela havia se tornado descontente e ambiciosa, e queria se rebelar contra a autoridade sob a qual havia nascido.
Finalmente, ela chegou em casa -- a colméia que havia deixado, com o coração tão feliz, naquela manhã. Entrou rapidamente e, de forma apressada e furiosa, começou a descarregar o precioso conteùdo das cestas de pólen sob suas pernas. Ao fazê-lo, ela gritou: "Eu sou a mais miserável das criaturas!"
"Por quê? Qual é o problema? O que você fez?" perguntou uma parente mais velha que também trabalhava nas proximidades. "Você comeu uma flor de louro-da-montanha venenosa? Ou você descobriu uma mariposa de cera levada colocando ovos em nossos favos de mel?"
"Nada disso", respondeu a abelha impaciente. "Mas eu viajei por um longo caminho e ouvi muitas coisas sobre mim que nunca soube antes, e agora sei que sou uma tola miserável!"
Diga, quem falou isso pra você, sendo que você sabe mais sobre si mesma?", perguntou a parente mais velha.
"Eu descobri uma verdade", respondeu a abelha indignada, "e não importa quem me disse."
"Não, não importa, mas importa que você imagine que está infeliz só porque alguma criatura boba lhe disse isso. Você sabe tão bem quanto eu que nunca esteve infeliz até que alguém lhe dissesse que estava. Eu acho isso absurdo, mas não vou falar mais sobre isso com você." E a parente mais velha voltou à sua tarefa, cantarolando agradavelmente enquanto trabalhava.
Mas a abelha viajante recusou-se a ser repreendida por causa de sua miséria. Então ela reuniu algumas jovens amigas tolas e contou-lhes o que ouvira na sala de jantar da casa de campo. Elas ficaram surpresas. A maioria delas ficou até com raiva. A abelha estava tão satisfeita ao descobrir que era capaz de criar tanto alvoroço, que ficava mais agitada a cada minuto. Ela fez um longo discurso sobre a injustiça de coisas como rainhas, e falou sobre a natureza os tornando todos igualmente semelhantes com uma paixão que teria impressionado até mesmo o Tio Collins.
Quando a abelha terminou seu discurso, houve um silêncio. Então surgiram alguns zumbidos de raiva e resmungos a favor da igualdade. É certo que suas ideias para remediar o mal que acabaram de descobrir eram bastante confusas. Alguns deles desejavam que o tio Collins viesse cuidar de todas as colmeias do mundo. Ele deixaria todas as abelhas serem rainhas, e então elas teriam uma vida muito melhor! A parente mais velha colocou a cabeça no canto de uma célula que estava construindo e disse: "Qual seria a graça de ser rainha se não houvesse operárias para alimentar e construir?". O pequeno grupo de abelhas zumbiu e disse que ela era uma ingênua. Naturalmente, Tio Collins viraria o jogo contra a tirana que as dominava -- ele se certificaria que a rainha e as crianças reais que estavam amadurecendo em suas células especiais, fossem obrigadas a fazer o trabalho delas.
"E o que acontece quando elas morrerem?" perguntou a parente mais velha, rindo.
As abelhas apenas zumbiram e a abelha mais velha não disse mais nada.
Então, outra abelha teve um plano. Ela sugeriu que, na verdade, talvez fosse muito estranho que todas fossem rainhas. Quem faria o mel, construiria os favos e cuidaria das abelhas bebês? Talvez o melhor fosse que todas fossem operárias, sem nenhuma rainha.
Então a abelha mais velha intrometida enfiou a cabeça no canto novamente e disse que não via como isso beneficiaria nenhuma delas. Já não eram abelhas trabalhadoras? Com isso, houve um zumbido indignado, e a abelha mais velha voltou ao seu trabalho.
Foi bom que a noite finalmente tivesse chegado. O trabalho do dia terminou, as abelhas foram dormir e a colméia ficou quieta. Mas assim que amanheceu, os pensamentos agitados voltaram. A abelha viajante e suas companheiras se reuniam em pequenos grupos para reclamar das injustiças sofridas e sugerir planos para mudar as coisas. O resto da colmeia estava ocupado demais para notá-las, então a ociosidade delas não foi descoberta. Mas depois de um tempo, algumas das abelhas mais jovens e impulsivas começaram a discordar sobre suas opiniões. Elas perderam a paciência e uma briga barulhenta iria começar, mas a abelha viajante voou até elas e sugeriu que, como era tarde demais para elas se tornarem rainhas, deveriam sair e tentar a vida como abelhas trabalhadoras sem uma rainha. Com essa ideia encantadora, elas foram facilmente persuadidas a deixar a colmeia. Elas enxamearam ao ar livre e voaram pelo jardim, aproveitando a brisa matinal. Mas um enxame de abelhas sem rainha para liderá-las é apenas uma multidão indefesa. Elas se reuniram para decidir o que fazer e pensaram que a melhor coisa para começar era encontrar um novo lugar para morar.
"Um jardim é o melhor lugar, claro", disse uma delas. "Um campo", disse outra. "Não há nada melhor do que uma árvore oca", disse uma terceira. "O beiral de uma casa é bom para quando chove", pensou uma quarta. "Os galhos de uma árvore nos dariam mais liberdade", exclamou uma quinta. E todas elas gritaram: "Eu me recuso a ceder a qualquer um!"
Que tal tamanha inflexibilidade na instituição de um novo lar?
"Bem, isso é frustrante!" gritou a abelha viajante; "metade da manhã já se foi e não conseguimos concordar em nada!"
"Pelo jeito que fala, parece que você quer ser nossa rainha", gritaram as outras abelhas. "Se decidirmos passar o tempo discutindo, o que você tem a ver com isso? Vá fazer o que quiser e nos deixe em paz!"
Assim ela o fez, porque estava envergonhada e infeliz. Ela voou até o fim do jardim para esconder sua frustração. Quando ela viu um grupo de belos junquilhos, mergulhou para se acalmar coletando pólen. Como gostou! Ela amou as flores e a coleta de pólen mais do que nunca, e começou a cantarolar encantadoramente. Ela pensava seriamente em voltar para a colmeia como de costume, quando saiu da flor e encontrou sua parente mais velha saindo de outra flor.
"Estou surpresa por encontrá-la aqui sozinha", disse a abelha mais velha. "Onde estão todas as suas amigas?"
"Não faço ideia. Deixei-as no jardim."
"O que elas estão fazendo?"
"Discutindo", admitiu a abelha viajante timidamente.
"Sobre o que elas estão discutindo?"
"Sobre que devem fazer."
"Bem, isso é uma coisa legal para as abelhas fazerem em um lindo dia ensolarado!" disse a parente mais velha com uma expressão astuta.
"Não ria de mim. Por favor, diga-me o que fazer", disse a abelha viajante confusa. "O que o tio Collins diz sobre a natureza nos tornar iguais soa muito lógico. Mas de alguma forma, quando tentamos ser iguais e equivalentes, tudo o que fazemos é brigar."
"Qual é a sua idade?" perguntou a parente mais velha.
"Sete dias", respondeu a abelha, com coragem e força juvenil.
"E qual é a minha idade?"
"Você está muito velha -- meses!"
"Sim, sou uma abelha mais velha. Então, minha amiga, vamos lutar!"
"Eu nunca faria isso! Eu sou mais forte que você, e eu te machucaria."
"Por que você iria querer conselhos de uma criatura mais fraca?"
"O que força ou fraqueza tem a ver com sabedoria, minha boa parente? Estou perguntando porque sei que você é sábia. Eu me sinto humilhada e tola."
"Hmm. Velhos e jovens, fortes e fracos, sábios e tolos -- onde foi parar a história de sermos todos iguais? Mas deixe para lá! Podemos nos virar. Vamos concordar em viver juntos pacificamente."
"Fico feliz! Mas onde devemos morar?"
"Antes de tudo, vamos descobrir qual de nós deve decidir caso tenhamos duas opiniões diferentes."
"Você, já que é muito mais esperta."
"Tudo bem. E qual de nós deveria sair e coletar pólen?"
"Eu vou, já que sou mais forte."
"Ok, tudo bem. Você acabou de me tornar uma rainha e se tornar uma abelha operária. Isso é engraçado -- a velha rainha e a velha colméia não funcionam da mesma forma? Você não consegue ver que, mesmo que duas pessoas vivam juntas, é preciso haver uma cabeça para liderar e mãos para fazer o que se pede? Quanto mais quando há uma multidão vivendo junta!"
A abelha viajante cantou alegremente comemorando enquanto voava em círculo sobre as flores, concordando alegremente que o que sua parente havia dito era verdade.
"Agora vamos contar às minhas amigas", disse ela. E as duas abelhas voaram juntas, procurando o pequeno grupo de jovens abelhas descontentes no jardim.
As abelhas ainda estavam brigando, mas não tinham mais energia ou ânimo. Elas estavam famintas e confusas. Muitas voaram para fazer seu trabalho habitual e planejavam retornar à colmeia como de costume quando o dia terminasse.
Logo depois, um alegre e barulhento grupo de abelhas, conduzidas pela parente mais velha e pela abelha viajante, foi visto voltando para a colmeia com o pólen sob as patas.
Quando estavam prestes a entrar na colmeia, elas foram paradas por uma das sentinelas, cujo trabalho era guardar a porta.
"Afaste-se", ela gritou. "Um cadáver real está sendo carregado."
E era verdade. Uma rainha morta foi vista, sendo arrastada por abelhas operárias de cada lado. Quando elas a carregaram para a borda da colmeia, elas jogaram seu corpo para o lado.
"O que aconteceu? O que está acontecendo?" perguntou a abelha viajante com uma voz ansiosa e emocionada. "Você não vai me dizer que nossa rainha está morta, vai?"
"Não, isso não", disse a sentinela. "Houve uma confusão inesperada na colmeia esta manhã. Infelizmente, alguns dos guardas das células não estavam por perto, e uma jovem abelha rainha escapou de uma cela que deveria ter sido mantida bloqueada por mais alguns dias. Naturalmente, as duas rainhas lutaram até que uma estivesse morta. Como esperado, a mais fraca foi morta. Sem essa nova rainha, não seremos capazes de enviar um segundo enxame imediatamente como esperávamos este ano, mas não há o que ser feito".
"Mas algo poderia ter sido evitado", pensou a abelha viajante consigo mesma. Ela lembrou com uma pontada de arrependimento que ela tinha sido a causa da confusão prejudicial.
"Ali. Você vê?" disse a parente mais velha, aproximando-se dela. "Nem mesmo as rainhas são iguais! Só pode haver um governante por vez."
A abelha viajante proferiu tristemente: "Sim, entendo."
E desta forma, os instintos que vemos na natureza confirmam o que as pessoas elaboram em suas mentes por meio da razão.
A Terra Desconhecida
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
"...mas, agora, aspiram por uma pátria superior." (Hebreus 11:16, ARA)
Não importava para a junqueirinha se era noite ou dia.
Ela construiu seu ninho entre os salgueiros, ervas daninhas e plantas longas e grossas que cresciam ao longo da margem do grande rio. Em seu esconderijo protegido, ela cantava alegres canções de regozijo dia e noite.
"Mamãe, para onde vai o rio?" perguntaram seus filhotes, olhando para fora de seu ninho em uma noite de verão adorável com os raios de luar ondulando no rio enquanto ele corria. A mãe junqueirinha não sabia para onde ia o rio, então ela riu e disse que eles deveriam perguntar ao pardal tagarela ou à andorinha viajante na próxima vez que um deles viesse pousar no salgueiro. "E então," ela disse, "eles vão te contar histórias como estas--" e ela fez sua voz soar tão parecida com a do pardal que seus bebês pensaram que o pardal estava realmente ali. A mùsica dela soava como a dele. Era tudo sobre cidades, casas, jardins, pomares, gatos e armas. Mas a versão da junqueirinha era bastante confusa. Ela nunca teve paciência para sentar e ouvir o pardal, então ela realmente não entendia o que ele dizia sobre essas coisas.
Mas até sua versão imperfeita divertia seus pequenos, e eles tentavam cantar como ela. Eles cantaram até adormecerem e, quando acordaram, começaram a cantar novamente porque o céu do leste estava lindamente vermelho na primeira luz do amanhecer, e eles sabiam que o sol logo enviaria seus raios quentes de luz inclinados através dos juncos e capins que abrigavam seu ninho aconchegante.
A mãe pássaro às vezes deixava seus bebês no ninho enquanto ela se empoleirava nos galhos do salgueiro para cantar sozinha. À medida que ia ficando cada vez mais tarde na primavera, ela fazia isso com mais frequência. Naquela época sua canção era então melancólica e delicada porque ela cantava no ritmo da correnteza do rio enquanto este se afastava -- ela não sabia para onde, e pensava no dia em que ela, seu marido e filhos seguiriam para adiante da mesma forma que o rio estava correndo para adiante. Ela também não sabia para onde eles iriam. Eles estariam indo para a Terra Desconhecida de onde ela veio. Sim, embora ela tivesse nascido lá, era uma Terra Desconhecida porque foi há tanto tempo que apenas vislumbres de imagens fracas permaneceram em sua memória.
No começo, ela só cantava esses pequenos trechos de mùsica quando estava sozinha. Mas, aos poucos, ela começou a deixar seus filhos ouvi-los às vezes. Afinal, eles iriam para lá com ela, então era bom que eles se acostumassem a pensar nisso.
Então seus pequeninos perguntavam onde ficava a Terra Desconhecida. Mas ela sorriu e disse que não podia contar porque ela mesma não sabia.
"Talvez seja para lá que o grande rio corre, já que corre o dia todo", pensou o filho mais velho. Mas ele estava errado. O grande rio estava correndo para uma cidade movimentada. Lá, fluiria pelos arcos das pontes, e traria barcos de vários países. Seria inquieto e lotado durante o dia, mas sombrio, escuro e perigoso à noite. As mudanças do dia para a noite na cidade eram tão diferentes das mudanças do dia para a noite na casa da junqueirinha. Lá, as mudanças eram de um tipo de beleza para outro.
"Mãe, por que você continua cantando canções sobre outra terra?" perguntou um de seus filhos um dia quando suas penas de voo estavam crescendo. "Por que deveríamos deixar os juncos e salgueiros? Por que não podemos todos construir ninhos aqui e ficar aqui para sempre? Não vamos a nenhum outro lugar. Eu gosto daqui, não quero ir a nenhum outro lugar. Temos pequenas ilhas no grande rio, e podemos viver nelas. Nada na Terra Desconhecida pode ser mais agradável do que os juncos e salgueiros aqui. Estou tão feliz aqui! Por favor, pare de cantar essas canções perturbadoras sobre algum outro lugar."
A mãe pássaro pensou muito, mas não disse nada. Então o passarinho continuou--
"Pense nas manhãs, com o brilho vermelho do nascer do sol, mãe. Pense na névoa suave e depois nos raios quentes do sol iluminando a água. Pense no lindo brilho do meio-dia, quando os juncos e capins exalam um maravilhoso aroma com o calor. Pense nas noites, mãe, quando podemos nos empoleirar nos galhos dos salgueiros, aqui e ali, onde quisermos, e ver o sol se pôr. Ou podemos voar para as pequenas ilhas e cantar nos longos gramados verdes de lá, e depois voltarmos para casa à luz da lua e cantarmos para dormir. Acordarmos cantando novamente se algum barulho nos desperta, como um barco remando ou se aquelas estranhas luzes disparam de jardins distantes. Mesmo quando chove, nos divertimos enquanto nos aconchegamos em nosso ninho tenro e caloroso e ouvimos as gotas de chuva tamborilando nos juncos e nas folhas acima. Eu amo tanto este querido lar! Por favor, pare de cantar aquelas canções perturbadoras sobre alguma outra terra!"
Então a mãe pássaro disse:
"Ouça-me, meu filho -- vou cantar outra canção para você."
E a junqueirinha cantava algo diferente. Ela cantava para os filhos sobre os dias em que era jovem, quando era tão feliz quanto agora, embora estivesse em um lugar diferente do que aqui ao longo do rio. Ela cantou sobre como viveu e se alegrou naquele outro lugar por meses, até que um desejo pareceu crescer dentro dela, sussurrando para ela: "Este não é o seu refùgio!" Ela se questionou e tentou ignorá-lo, tentou se concentrar onde estava e divertir-se. Mas o sussurro vinha cada vez com mais frequência e parecia cada vez mais atraente. Seu companheiro sentiu a mesma coisa, até que finalmente deixaram sua casa juntos, e vieram para cá e se estabeleceram nos juncos ao longo das margens deste rio. E como ela estava feliz aqui!
"Onde fica o lugar de onde você veio, mãe?" perguntou um de seus filhos. "É em algum lugar perto daqui, onde podemos ir e ver como é?"
"Meu filho", disse a junqueirinha "é a Terra Desconhecida! Só sei que é muito, muito longe. Não sei onde fica. Mas aquele sussurro que me chamou de lá está começando a sussurrar para mim novamente. Eu fui obediente e confiante a essa voz antes, e ela me trouxe a este lugar feliz. Devo ser menos obediente e esperançosa agora, depois que ela me trouxe a um lugar tão agradável? Não, meu filho, vamos avante para aquela Terra Desconhecida, onde quer que ela esteja, confiando alegremente que será um bom lugar."
"Já que você vai comigo, então eu irei", murmurou a pequena junqueirinha em resposta, e antes de dormir, juntou-se a sua mãe cantando sobre aquela Terra Desconhecida.
No dia seguinte, os pais voaram para os arbustos de um riacho próximo. Um dos passarinhos voou até o galho mais alto de um salgueiro. Encantado por estar tão alto, ele começou a cantar alegremente enquanto se balançava para frente e para trás no galho. Ele tentou todos os tipos de mùsicas e as cantou muito bem para sua idade. Por fim, ele decidiu tentar cantar a mùsica sobre a Terra Desconhecida.
Infelizmente, um cascudo problemático estava voando pela área naquele momento. Ele ouviu o pequeno junqueirinho, e seu espírito travesso o fez parar para se divertir um pouco exibindo o que considerava sua "sabedoria superior" a este jovem pássaro. "Essa é uma mùsica doce e uma voz doce, e você é um cantor muito doce", ele começou.
"Já estive em muitos lugares; na verdade, já estive enjaulado na casa de uma criatura humana, então sei um pouco sobre canto", continuou o senhor cascudo, inclinando o rabo enquanto se equilibrava em um galho próximo ao junqueirinho. "Mas acho que nunca ouvi uma mùsica mais bonita do que a sua. Mas gostaria que você me contasse sobre o que é a mùsica."
"É sobre a Terra Desconhecida", respondeu o jovem junqueirinho inocentemente, corando de alegria.
"Eu ouvi direito, meu amigo?" perguntou o cascudo, fingindo estar muito sério. "Você disse a Terra Desconhecida? Nossa, que coisa! Eu nunca imaginei que encontraria uma filosofia tão profunda entre estes pântanos e fossos abandonados! É um deleite bastante inesperado! Faça-me o favor: o que você pode dizer a um velho pássaro estranho como eu sobre esta Terra Desconhecida? Estou sempre querendo me aperfeiçoar aprender algo novo."
"Na verdade, não sei nada sobre isso, exceto que algum dia iremos para lá", respondeu o jovem junqueirinho, um pouco perplexo com os modos do cascudo.
"Isso é curioso!" disse o cascudo, rindo sorrateiramente. "Eu simplesmente amo a simplicidade, e você é um exemplo perfeito disso, pequeno junqueirinho. Então, você está pensando em fazer uma viagem a esta Terra Desconhecida, supondo, é claro, que você possa encontrar o caminho até lá, o que, cá entre nós, tenho algumas dùvidas, já que o lugar é desconhecido. Adeus, doce senhor junqueirinho! Espero que tenha uma boa viagem."
"Espere, espere!" exclamou o passarinho, aflito com a zombaria do cascudo. "Não vá ainda! Diga-me o que você pensa sobre a Terra Desconhecida."
"Ora ora, seu espertinho, você está tirando sarro de mim?" perguntou o cascudo. "O que alguém, mesmo tão inteligente quanto você, pode pensar sobre algo que é desconhecido? Suponho que você possa pensar o que quiser sobre isso. Eu também poderia, se quisesse perder meu tempo. Mas você nunca irá além da suposição, porque é desconhecido. Não posso nem fingir que sei alguma coisa sobre isso.
"Quer dizer, você não vai lá sozinho?" perguntou o passarinho, completamente perturbado.
"Claro que não! Em primeiro lugar, estou feliz onde estou. E, em segundo lugar, não sou tão ingênuo e pronto para acreditar em qualquer coisa quanto você. Como posso saber se existe um lugar como a Terra Desconhecida?"
"Meu pai e minha mãe me contaram sobre isso", respondeu o jovem junqueirinho, com um pouco mais de confiança.
"Ah, seu pai e sua mãe lhe contaram, não é?" zombou o cascudo com desdém. "E como um bom passarinho, você acredita em tudo o que eles dizem. Se eles dissessem que você viveria na lua, você acreditaria nisso também?"
"Eles nunca me enganaram antes!" insistiu o jovem junqueirinho com firmeza, agitando as penas com indignação.
"Bem, você não é alto e poderoso, pequeno fracote presunçoso! Quem disse que eles já te enganaram? Eu não estou enganando você, também, quando eu sugiro que eles podem ser completamente ignorantes. Vou deixar você decidir o que é a verdade. Tentei ser amigável com você, seu caipira atrasado caduco, mas todos os agradecimentos que recebo são aborrecimentos. Você não serve para conversar com um pássaro com a minha experiência e sabedoria. Então, de uma vez por todas, adeus! "
E o cascudo voou e sumiu antes que o pequeno junqueirinho se recuperasse de sua frustração.
O tempo mudou naquela noite. Era o final do verão, e uma tempestade repentina trouxe chuva e vento mais frio com ela. Os filhotes ficaram confusos e tristes quando viram o céu escuro e o rio subindo. Onde estava o sol quente que sempre secava a umidade após a chuva habitual do meio-dia?
"Por que o céu está tão cinza e sombrio? Por que o rio é tão profundo e sombrio? Por que não há sol?" perguntou um dos passarinhos.
"Acho que o sol provavelmente vai brilhar de novo amanhã", confortou a mãe pássaro, "mas os dias estão ficando mais curtos rapidamente. A tempestade tornou este dia ainda mais curto e o sol não conseguirá passar pelas nuvens esta noite. Mas não importa. A chuva não prejudicou o interior do nosso ninho. Entrem, meus queridos, e mantenham-se aquecidos enquanto eu canto para vocês sobre nossa jornada. Crianças bobas, vocês não esperavam que o sol durasse aqui para sempre, certo?"
"Eu esperava que sim, e costumava pensar que sim, mas parece estar mudando ultimamente", respondeu o pássaro que tanto conversara com sua mãe antes. "Eu realmente não me importo, mãe. Quando o sol se vai, e a chuva vem, e o rio parece inundado, e o céu está escuro, eu só penso na Terra Desconhecida."
A mãe pássaro ficou feliz em ouvir isso. Empoleirada em um junco alto ao lado do ninho, ela começou a cantar uma canção esperançosa sobre a Terra Desconhecida, e o pai se juntou a ela, e depois os filhos -- todos menos um. Ele, pobre passarinho, não sabia cantar. Quando o resto deles parou, ele murmurou para seus irmãos no ninho --
"Isso tudo seria muito reconfortante e agradável se pudéssemos saber alguma coisa sobre a Terra da qual estamos falando."
"Mas se soubéssemos demais, talvez nunca estivéssemos satisfeitos aqui", riu o doce passarinho que estava angustiado antes de partir.
"Mas não sabemos nada sobre isso", disse o outro pássaro. "Na verdade, como sabemos que existe um lugar como a Terra Desconhecida?"
"Sentimos em nossos corações que tal lugar existe", respondeu seu irmão. "Eu mesmo já ouvi o desejo sussurrado de que mamãe nos fala. Certamente você também deve ter sentido."
"Quer dizer que você acha que ouviu isso", disse o jovem pássaro, "porque ela lhe contou sobre isso. É tudo imaginação, pensamento esperançoso -- não há conhecimento. Posso imaginar que também ouvi isso, mas me recuso a ser tão ingênuo e bobo. Não vou cantar sobre esse lugar e também não irei lá.
"Este não é o seu refùgio", cantou a mãe pássaro de seu poleiro fora do ninho, e os outros passarinhos ecoaram juntos: "Este não é o seu refùgio." Mesmo no fundo do coração do junqueirinho duvidoso ecoavam as palavras: "Este não é o seu refùgio."
"Este não é o seu refùgio", repetiu a mãe pássaro. "O rio está transbordando, as nuvens estão se apressando, o vento está soprando -- porque este também não é o seu refùgio. Pergunte ao rio, pergunte às nuvens, pergunte aos ventos, para onde eles vão, e eles responderão: para outra terra! Pergunte ao grande sol enquanto ele desce sobre a colina para onde ele vai, e ele dirá: "para outra terra." E quando chegar a hora, levantemo-nos também e vamos para lá.
"Poxa, mãe! Eu gostaria de poder acreditar em você! Mas onde fica aquela outra Terra?" gritou o incrédulo em aflição. E então ele abriu seu coração perturbado e contou à mãe tudo o que o cascudo havia dito. Seus pais ouviram em silêncio, e quando ele concluiu, sua mãe disse,
"Ouça-me, meu filho, e cantarei outra canção para você."
E ela começou a cantar novamente sobre a terra que havia deixado antes. Mas agora o foco de sua mùsica era que ela havia saído sem saber por quê. Ela "saiu sem saber para onde", em obediência cega, fé e esperança. Como ela havia percorrido a vasta extensão de águas, não havia ninguém para lhe explicar por que ela estava indo, ou para lhe dizer o que aconteceria quando ela chegasse lá. Se ela tivesse conhecido aquele cascudo, ele seria capaz de contar a ela? Mas não era verdade que ela havia sido enganada. Não! O desejo susurrado que a chamou e a levou para longe e para este lugar foi um sussurro de Bondade. Quando ela chegou a esses juncos, ela sabia disso. Então um forte desejo surgiu dentro dela, um desejo de se estabelecer. Então ela e seu companheiro se estabeleceram aqui. E então houve um forte desejo de construir um ninho. Se o cascudo a tivesse visto então, construindo uma casa para crianças que ainda nem existiam, teria zombado dela! Ele teria perguntado o que ela poderia saber sobre o futuro. Tudo não passava de trabalho de adivinhação, pensamento esperançoso e tolice. Mas ela foi enganada? Não! Foi aquele sussurro de Bondade que lhe disse o que fazer. No fim das contas, ela não se tornou a mãe feliz dos filhos? E agora ela pode confortar e aconselhar seus pequenos em suas dùvidas e problemas. Não importa o que o cascudo dissesse, não era provável que o sussurro da Bondade os enganasse agora, não é? "Não!" ela exclamou: "Portanto, vamos obedecer ao desejo sussurrado com alegre confiança, mesmo que ainda não entendamos o porquê. Talvez quando tivermos obedecido e tivermos fé, o conhecimento e a explicação serão fornecidos." E a canção da mãe pássaro terminou. O jovem junqueirinho nunca mais teve dùvidas.
Durante as semanas seguintes, o clima de outono mudou tudo ao seu redor, e as manhãs e noites frias fizeram com que os junqueirinhos cantassem ainda mais alto e alegres perto do rio. Eles sabiam, sentiam, tinham confiança e havia alegria esperando por eles na Terra Desconhecida. Numa manhã escura e fria, quando eles estavam ocupados fazendo coisas diferentes, de repente houve um som alto. Os pequenos pararam de brincar e correram para casa, confusos e assustados. O velho ninho parecia solto e bagunçado agora porque um pouco de água havia entrado pelo fundo desgastado. Mas eles ainda se amontoavam nele, como sempre fizeram, por segurança. Logo descobriram que nem o pai nem a mãe estavam lá. Depois de esperar um bom tempo para que eles voltassem, os pássaros jovens assustados voaram para procurá-los.
Foi uma busca cansativa à procura de seus amados pais. O suspense era terrível, mas a triste realidade, quando descobriram, era ainda pior.
Em um pedaço de grama marrom e molhada, cobrindo um banco de lama, estavam seus pais baleados por um caçador. O pai já estava morto, mas a mãe ainda estava viva. Ao ouvir os choros e lamentos de seus filhos, ela murmurou uma ùltima canção de esperança e conforto.
"Voem para longe, meus queridos! Vão para a Terra Desconhecida! O sussurro que chamou todos os nossos ancestrais, e significa nada além de bondade, está chamando vocês agora. Obedeçam-no! Vão em frente com alegre confiança! Rápido, rápido! Não há tempo a perder!"
"Mas o pai! E você, mãe!" gemiam os passarinhos.
Silêncio, meus queridos! Silêncio! Não podemos ir lá com vocês. Mas talvez isso leve a outra Terra Desconhecida onde estaremos juntos novamente." E a cabeça da mãe pássaro caiu contra seu lado ferido, e ela morreu.
Antes do amanhecer na manhã seguinte, os jovens junqueirinhos acordaram pela ùltima vez em seu antigo ninho nos amados juncos e voaram para longe -- "sem saber para onde".
Eles tinham uma vaga e não clara esperança de que pudessem encontrar seus pais novamente na Terra Desconhecida para onde estavam indo. Eles podem ter sentido uma pontada de tristeza quando chegaram e descobriram que seus pais não estavam lá, mas foi apenas por um momento, porque o irmão pássaro que duvidou disse:
"Talvez haja alguma outra Terra Desconhecida, ainda melhor que esta, para onde eles já foram."
NOTA DA TRADUTORA: Alterei alguns dos nomes originais dos pássaros para tornar a leitura mais fluida e didática. Alguns dos pássaros citados nessa história não são encontrados no Brasil. Os nomes alterados foram: Sedge warbler (Acrocephalus schoenobaenus) -- para Junqueirinha e Magpies (da família dos Corvideos) -- para Cascudo.
Treinanda E Restringindo
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
"Ensina a criança no caminho em que deve andar." (Provérbios 12:6, ARA)
"Tanta algazarra está sendo feita sobre vocês, minhas amiguinhas!" disse o vento um dia para algumas flores em um lindo jardim. "Não acredito na maneira como vocês se submetem com tanta paciência e complacência a todas as coisas insuportáveis que fazem com vocês! Tenho observado seu amigo jardineiro por algum tempo. Agora que ele finalmente se foi, estou curioso para saber o que vocês pensam sobre a maneira antinatural que vocês estão sendo criados."
"Não é natural?" perguntou uma bela glória-da-manhã do topo de um poste de madeira onde ela havia subido. Suas flores roxas pendiam suspensas como gemas de violetas.
"Sua pergunta me faz sorrir", disse o vento. "Certamente você não acha que no mundo natural você seria forçada a escalar um galho alto e sem folhas como está fazendo agora. De jeito nenhum! Sua prima, a trepadeira, que eu vi no campo esta manhã, não faz isso. Ela corre pelo chão e sobe como quer. Às vezes ela vira de lado no terreno, às vezes ela vagueia em uma cerca viva e brinca de esconde-esconde com os pássaros nos arbustos espinhosos, torcendo aqui, enrolando-se lá e, finalmente, talvez saindo no topo para se pendurar sobre a cobertura com um dossel de folhas verdes e lindas flores brancas. Essa é uma vida tão diferente da sua, com um jardineiro sempre aparando você em um só lugar, prendendo uma gavinha perdida em outro, e reclamando de você durante todo o caminho. Ele impõe uma espécie de 'não vá aqui' e 'não vá lá'. Coitadinha! Sinto muito por você. Ainda assim, você me faz sorrir -- você parece tão orgulhosa e consciente de sua beleza o tempo todo. Estou surpreso que você não saiba em que posição ridícula e dependente você está. "
A glória-da-manhã se surpreendeu com as palavras do vento, pois sabia que se sentira muito vaidosa naquela manhã ao ouvir o jardineiro dizer algo lisonjeiro sobre sua beleza. Então ela pendurou suas lindas flores um pouco mais abaixo do que o normal e não disse nada.
Agora o cravo falou. "O que você disse sobre a glória-da-manhã pode ser verdade, mas não se aplica a mim. Acho que não tenho nenhum parente selvagem neste país e, pessoalmente, exijo o tipo de trabalho especial que o jardineiro faz comigo. Este clima é muito frio e ùmido para mim. Minhas plantas jovens precisam de calor extra, ou elas morreriam. Os vasos em que crescemos nos protegem de larvas de besouros que adoram matar nossas raízes."
"Bem!" disse o vento, "nosso amigo cravo é muito profundo e educado no que diz. Admito que ele está certo sobre a umidade, o frio e os vermes. Mas...". E ele deu um assobio baixo enquanto dava uma volta pelo jardim, "o que quero dizer, meu querido, é que uma vez que você é forte o suficiente e velho o suficiente para ser plantado no solo, esses jardineiros devem deixá-lo crescer e florescer da forma que natureza pede a você, como você faria se fosse deixado sozinho. Mas eles não o fazem! Eles estão sempre cortando, aparando e torcendo cada folha que se desvia do padrão preciso que decidiram que você deveria crescer. Por que não permite que suas flores floresçam de maneira natural? Por que cada flor tem que ser amarrada por seu pescoço delicado a um graveto assim que começa a abrir? Com sua graça e beleza naturais, acho que você pode confiar em si para crescer um pouco mais à sua maneira!"
E o cravo começou a pensar assim também. Sua cor tornou-se mais intensa quando um sentimento de indignação tomou conta dele por ter sido tratado como uma criança. "Com minha graça e beleza naturais", ele repetia para si mesmo, "eles deveriam confiar em mim para crescer um pouco mais à minha maneira!"
A roseira apontou que devia haver algum bom motivo para o cuidado do jardineiro. Ela estava muito consciente de sua própria superioridade sobre todos os seus parentes selvagens no país. Eles eram tão diferentes em tamanho, cor e fragrância.
Então o vento assegurou-lhe que nunca pretendeu negar a vantagem de viver num jardim com terra rica. Mas havia uma maneira natural de crescer, mesmo em um jardim, e ele achava uma pena que os jardineiros forçassem a roseira a assumir uma forma não natural, restringindo toda a sua energia inata. Por exemplo, o que poderia ser mais anormal do que ver uma rosa crescendo em forma de arbusto em cima de um tronco? "Pense na poda necessária", reclamou o vento, "para manter a coitadinha na forma redonda que tanto admiram. Por que não deixar a roseira saudável crescer gloriosa e livremente? Por que impedi-la quando ela quer cair graciosamente ou crescer mais alto? Uma rosa pode ser muito grande ou muito abundante? Pode haver rosas demais? Poxa, roseira, você conhece suas próprias virtudes -- você sabe que estou certo."
E sabia mesmo! Uma nova ideia pareceu nascer dela ao se lembrar das podas que ela tinha de suportar a cada primavera e outono, e quantos galhos pequenos eram removidos dela todos os anos e carregados em um carrinho de mão. "Acho que é um sistema cruel e selvagem", disse ela.
O vento deu outro redemoinho no jardim e subiu próximo ao grande lírio branco, e sussurrou em seu ouvido refinado. Ele se perguntou se era realmente necessário que seu tronco forte e grosso fosse apoiado contra uma vara velha e feia. Ele ficou triste só de ver isso! O adorável lírio imaginou se a Natureza, que tinha feito tanto para que a sua beleza fosse famosa em todo o mundo, o teria deixado tão fraco e frágil que ele não conseguia se manter na posição mais confortável e satisfatória para ele? "Eles estão sempre amarrando e prendendo!" disse o vento, com um sopro zangado. "Talvez eu seja preconceituoso, mas ser privado da liberdade seria pior do que a morte para mim, então minha alma luta contra todo tipo de tirania e escravidão!"
"E a minha também!" gritou o orgulhoso lírio branco. Ele se apoiou pesadamente na fita que o prendia ao bastão, mas não adiantou. Ele não conseguia se libertar. O vento balançou a cabeça e riu maliciosamente. Então ele o deixou para compartilhar a mesma maneira rasa de pensar com uma madressilva que estava plantada contra uma parede. Nenhuma flor daquele jardim escapou de suas sugestões problemáticas; ele conversou com todas elas. Ele ria com desdém das cercas-vivas aparadas, provocava as ervilhas-doces perguntando se elas gostavam de crescer em círculo e em cima de um monte de gravetos tortos, e dizia às flores em geral que contaria a todos que encontrasse sobre sua inacreditável submissão e obediência passiva.
Então o lírio branco ficou bravo com ele e disse que ele estava deturpando o caráter deles. Eles só se submeteram a essas restrições humilhantes porque não podiam escapar delas. Mas se ele usasse seu poder para ajudá-los, eles seriam capazes de pelo menos se libertar de algumas das algemas antinaturais que os aprisionavam.
E o vento perverso viu que suas tentações foram bem-sucedidas. Ele respondeu com grande alegria que faria o possível para ajudá-los e depois foi embora, rindo do descontentamento que havia causado.
Durante toda aquela noite, as lindas e tolas flores resmungaram e reclamaram de sua condição de protegidas, e ansiavam por serem soltas e livres. Elas começaram a se perguntar se o vento só os estava provocando. Talvez ele não fosse realmente vir e ajudá-los como havia prometido. Mas eles estavam errados. Pouco antes do amanhecer, ouviram-se suspiros e gemidos na floresta distante. Quando o sol estava nascendo, as nuvens se moviam rapidamente no céu e as árvores se curvavam em todas as direções. Sim, o vento voltou, só que desta vez ele veio em seu humor mais rude e selvagem! Ele estava derrubando tudo em seu caminho. "Agora é a sua vez, lindas flores!" ele gritou, quando se aproximou do jardim. "Viva! Agora é a nossa hora!" ecoaram as flores, tremendo de prazer e temor enquanto esperavam que ele se aproximasse.
Ele elaborou tudo com muita inteligência. Deu uma volta pelo jardim, derrubando o poste da glória-da-manhã, arrancando o lírio de seu galho, removendo todos os cravos de suas amarras, quebrando a roseira e nivelando as ervilhas-doces no chão. Em meia hora, ele destruiu todo o jardim. Então, quando seu trabalho foi concluído, ele voou para se gabar de seu feito destrutivo em outras regiões.
Enquanto isso, como estavam as flores? O vento mal havia parado antes que uma chuva forte e repentina caísse, então tudo ficou confuso por um tempo. Mas à tarde começou a clarear e as flores se aventuraram a olhar ao seu redor. O lírio branco ainda estava um tanto ereto mesmo sem a ajuda da vara, mas era preciso um esforço doloroso para se manter assim. O vento e o peso da chuva dobraram seu caule, deixando-o com uma pequena rachadura, o que significava que era apenas uma questão de tempo até que ele caísse e se deitasse no chão. A glória da manhã ficou ainda pior. O jardim se inclinava para o sul. Quando sua vara caiu e ela caiu no chão, suas lindas flores foram cobertas por água suja que escorria sobre ela. Ela podia sentir o peso lamacento embebendo em suas flores em forma de sino, e sentiu vontade de chorar de dor. Ela nunca seria capaz de se livrar dessa bagunça. Se ao menos ela ainda estivesse subindo em seu poste de madeira acolhedor! A madressilva também foi destruída. E o cravo estava prestes a morrer de vergonha quando descobriu que a liberdade que tanto desejava o derrubou no chão.
Antes que o dia terminasse, o jardineiro veio assobiando de seu trabalho na fazenda para ver como suas flores estavam na tempestade. Ele esperava encontrar um ou dois fechos soltos. Mas ele não estava preparado para o que viu. Ficou tão surpreso que a princípio não conseguiu falar. Continuou levantando as cabeças das flores sujas e caídas, uma após a outra. Então ele explodiu em palavras de tristeza: "Misericórdia! Minha pobre patroa e sua filhinha estão voltando para casa em breve, e não há como consertar isso. Nada pode ser feito por essas pobres flores nas próximas duas semanas por causa da colheita de milho! Está tudo acabado para elas." E o jardineiro seguiu seu caminho triste.
Foi uma pena, mas o que ele disse era verdade. Em poucos dias, os cravos estavam apodrecidos por ficarem no chão molhado. O lírio branco estava caído e descolorido em seu caule quebrado. A glória-da-manhã nem podia ser reconhecida debaixo de toda a lama. A madressilva e as ervilhas-doces estavam todas emaranhadas e não conseguiam sacudir a sujeira de suas cabeças. A roseira quebrada conseguiu lançar alguns galhos esparsos, mas eles eram muito finos e fracos para sustentar qualquer flor. Eles mal conseguiam se sustentar, então não a deixavam mais confortável ou bonita. Enquanto isso, as ervas daninhas brotavam e uma confusão deprimente tomava o lugar do outrora ordeiro e adorável jardim.
Finalmente, duas semanas depois, ouviu-se o latido do cachorro e os criados andavam de um lado para o outro. A dona da casa havia voltado, e sua filhinha estava com ela. Ela correu imediatamente para seu amado jardim, correndo e pulando alegremente em direção ao seu local favorito. Mas quando ela chegou, parou de repente e, um minuto depois, começou a chorar! Então, com passos tristes, ela caminhou pelos canteiros, chorando de novo a cada um que olhava. Logo se sentou no gramado e chorou, com o rosto enterrado nas mãos. E lá ficou, até sentir uma mão gentil em seu ombro.
"Esta é uma cena triste, minha querida", disse sua mãe.
"Não se preocupe com o jardim, mamãe", disse a menina, levantando o rosto choroso. "Podemos plantar novas flores e talvez até amarrar algumas das que caíram. O que estou pensando é que finalmente entendi o que você me disse mil vezes sobre a necessidade de ensino, treinamento e regras. Em um mundo caído, é tão necessário para as flores quanto para nós. O vento arrancou essas pobres coisas de suas amarras, e agora elas estão crescendo do jeito que querem. Em outros tempos, eu teria argumentado que sua maneira natural de crescer deveria ser a melhor. Mas agora que vi os resultados, não posso mais dizer isso. As flores estão fazendo o que querem, sem restrições, e o resultado é que meu lindo jardim se tornou nada além de uma selva indomável.
Esperando
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
"Bom é ter esperança e aguardar em silêncio" (Lamentações 3:26, ARC)
Era uma vida triste para o grilo antes que as casas fossem construídas e o fogo fosse aceso nas lareiras. Não havia uma lareira quente naquela época, onde ele pudesse sentar e cantar sua alegre canção, e sair de vez em quando para se aquecer sob o brilho da luz do fogo. Em vez disso, o grilo que tanto gostava de calor não tinha onde se abrigar, exceto em buracos de árvores ocas, ou em rachaduras nas rochas, ou em algum outro lugar tão ùmido e sombrio. Além disso, ele tinha que suportar as piadas e a zombaria de outras criaturas que viviam com conforto, então eles não conseguiam se simpatizar com sua infelicidade.
"Por que você não sai pulando e cantando no campo com seu primo, o gafanhoto?" perguntou a aranha, irritada, enquanto tecia sua teia em um buraco onde o grilo estava escondido. "Suas pernas devem ser longas o suficiente, se você apenas fizer um esforço para esticá-las. É o seu mau humor e descontentamento que mantém você e sua família se lamentando nesses lugares fora do caminho. Você deveria estar usando suas pernas saltitantes para pular e se divertir. E aposto que você poderia cantar muito mais alto se tentasse.
O grilo pensou que isso poderia ser verdade, mas percebeu que precisaria estar muito diferente de como estava agora, antes de conseguir reunir a coragem para tentar. Havia algo muito, muito errado com ele. Mas o que era? Ele não sabia. Todos os outros pássaros, insetos e animais pareciam tão tranquilos e felizes. A aranha, por exemplo, estava confortável e contente no mesmo buraco que o grilo achou tão sombrio. As moscas, as abelhas, as formigas, até a toupeira que às vezes saía de sua toca para contar histórias maravilhosas de seus prazeres subterrâneos. Os pássaros que cantavam alegres canções, os grandes animais que andavam como gigantes nos campos -- todos eles pareciam satisfeitos com suas vidas, e bastante felizes. Cada um deles tinha uma casa de que gostava e ninguém invejava ninguém.
Mas com o grilo era tão diferente. Ele nunca se sentiu em casa! Sempre parecia que faltava alguma coisa, como se ele estivesse procurando por algo que não estava lá, procurando um lugar que não poderia ser encontrado, procurando alguma condição em que pudesse sair da depressão e ansiedade que parecia pesar sobre ele, embora ele não pudesse entender o porquê. Pobre grilo! Do jeito que estava, sentiu que tinha que se esconder em buracos, mesmo que suas pernas fossem projetadas para serem enérgicas. Quase ninguém ouviu sua mùsica, embora sua voz fosse agradável e digna de algo mais bonito do que um lamento.
Às vezes, um grupo de grilos se reunia e discutia o assunto. Eles olharam para suas longas pernas dobradas e não puderam deixar de reconhecer que suas pernas eram muito parecidas com as do gafanhoto. No entanto, a ideia de seguir os gafanhotos na grama fresca e pular o dia todo não era atraente para os grilos. Certa vez, um grilo corajoso e abnegado disse que iria para o campo, encontraria um dos gafanhotos e lhe perguntaria sobre isso. Talvez ele soubesse por que a vida de gafanhoto era tão desagradável para os grilos, embora fossem parentes tão próximos. Então ele realmente foi. Quando ele conseguiu fazer o gafanhoto ficar parado por alguns segundos e ouvir, o gafanhoto ficou muito preocupado com os grilos. Ele tinha um coração mole por viver tão perto da grama e ter uma alma musical. O gafanhoto disse que iria visitar seus primos grilos e ver o que poderia ser feito por eles. Talvez ele pudesse descobrir um problema físico, ou um defeito crônico de pais ruins, que pudesse ser corrigido.
Pensando nisso, o gafanhoto foi até a árvore oca onde estavam todos os grilos. Não demorou muito para chegar porque ele deu saltos longos durante todo o caminho. O ùltimo salto o deixou bem no meio do bando de grilos. Ele pousou abruptamente e assustou os grilos, se firmou e começou a examinar todas as pernas e joelhos dos grilos que estavam ali. Ele os chamou, um de cada vez, e os examinou cuidadosamente. "Afinal de contas", pensou, "pode haver algum tipo de falha na forma como suas juntas são unidas." Mas tudo parecia bem. Os grilos tinham pernas e corpos tão bem montados quanto os dele, só que não tinham sua energia ou entusiasmo.
O que ele achou dessa descoberta intrigante? Ninguém sabe. Ao final de seu exame, ele subitamente teve um ataque de inquietação. "Com licença, primos", gritou, "estou com cãibra na perna, preciso pular!" E pulou. Ele pulou uma, duas, três vezes -- e nessa hora, ele estava fora da árvore e se afastando. Fosse de propósito ou simplesmente esquecido, ele começou a cantar enquanto se afastava e não fez mais visitas aos grilos.
É um sentimento desanimador e inquieto desejar algo melhor que você não consegue definir, algo que virá em um futuro indeterminado. É desalentador ver a perfeição em tudo ao seu redor e ser a ùnica exceção olhando para a felicidade dos outros. É uma posição difícil de se estar. A luta entre a adorável visão de esperança e a fria e dura realidade é avassaladora.
Um dia, uma velha toupeira vagarosa espiou para fora da terra para ver como estava o mundo superior e ouviu os grilos se queixando. "Meus pobres amigos", disse ela, "qual é o sentido de toda essa queixa e dùvida? Vocês mesmos admitiram que cada outra criatura é perfeita à sua maneira e muito feliz. Bem, então, vocês também devem ser perfeitos à sua maneira, embora ainda não tenham descoberto o seu caminho. Vocês serão muito felizes um dia, mesmo que não estejam agora. O mundo é bem projetado; acham que o Criador estragaria sua perfeição com uma ùnica exceção de imperfeição, apenas para provocar e incomodar algo tão insignificante como vocês?" Isso não faz sentido; não é nada provável. Mas vocês não deveriam achar que tudo ocorre perfeitamente desde o início para ninguém, nem mesmo para os melhores de nós. Eu tenho alguma experiência em primeira mão, e sei que é verdade. Por exemplo, você já considerou quão difícil é para um filhote de toupeira quando ele começa a cavar debaixo da terra? Você acha que ele sabe o que está fazendo, ou qual será o resultado? Não, de jeito nenhum. Ela está trabalhando completamente no escuro, sem nenhuma ideia de para onde está indo. Se uma jovem toupeira parasse para refletir sobre o que estava fazendo, pareceria um desperdício de esforço enfiar o nariz hora após hora em terreno desconhecido, por alguma razão inexplicável que só seria aparente muito tempo depois, e sem garantia de sair completamente! Mas tudo dá certo no final. Eu me lembro de como era a minha própria infância. Eu afastei a sujeira para longe e para fora, até que o espaço que eu limpei se revelou um verdadeiro palácio! A propósito, você realmente deveria descer e ver minha casa -- isso vai animá-lo e ensinar-lhe uma lição ùtil. Então, veja bem, finalmente descobrimos o que estávamos procurando...
"Isso é verdade para você", interrompeu o grilo, "você estava trabalhando e trabalhando para algum propósito o tempo todo. Se eu tivesse algum tipo de trabalho a fazer, poderia esperar encontrar um propósito nele mais tarde. O problema é que eu apenas sento e não faço nada além de lamentar... e esperar."
"É um absurdo dizer que você não tem nada para fazer", disse a toupeira. "Toda criatura tem algo a fazer. Você, por exemplo, está sempre de olho no sol. Você sabe o quanto gosta dos raios de sol e do calor que ele envia, mais do que qualquer outra coisa no mundo, então você deveria ficar ao sol o máximo que puder. E quando o sol se pôr, você deve procurar os buracos mais aconchegantes que encontrar. Dessa forma, você pode aproveitar o melhor possível por enquanto. Para o resto, você só terá que esperar. Esperar às vezes é tão importante quanto trabalhar. Há um novilho nas planícies perto daqui. Assim que ele teve idade suficiente para correr, ele começou a bater a cabeça contra tudo que encontrava. Ninguém conseguia descobrir o porquê. Ele apenas se agitava e batia com a cabeça o dia todo. Alguns de seus amigos ficaram ofendidos com seu comportamento. Outros riam. Os cachorros se divertiam especialmente com isso. Eles latiam para ele constantemente, chegando até mesmo perto de seu nariz às vezes, enquanto ele abaixava a cabeça para eles. Bem, finalmente, o mistério foi resolvido. Dois chifres magníficos cresceram na cabeça do boi, e então ficou claro por que o boi estava batendo em sua cabeça. Um dos cães rudes que continuava a brincar de latir com ele foi retribuído sendo arremessado por suas travessuras. Então você vê, tudo se encaixa e dá certo no final. Não há desejos e anseios sem algum motivo. Sempre há algo guardado que os explica, pode ter certeza disso. Mas você pode ter que esperar um pouco. Alguns terão que esperar por muito tempo e outros por menos tempo. Mas, por favor, espere. Você vai ver -- tudo vai se encaixar e finalmente será perfeito."
[Nota sobre o boi: 'O novilho investe com a cabeça lisa; ele não tem chifres; nenhuma garantia prévia que seja confirmada para toda uma espécie pode ser uma ilusão.' (parafraseado vagamente de Aids to Reflection de Coleridge)]
Foi uma coisa boa para os grilos que a toupeira lhes deu esse bom conselho, porque um macaco travesso havia recentemente sugerido a eles que, uma vez que eram completamente inùteis e tão infelizes, deveriam simplesmente morrer de fome e livrar o mundo inteiro de sua miserável raça. Mas o bom senso da toupeira deu a eles uma perspectiva totalmente nova. Isso lhes deu uma sensação de esperança. E a esperança é um sentimento tão natural e agradável que, quando eles começaram a incentivá-la e alimentá-la, ela floresceu e cresceu em seus corações até criar seu próprio tipo de felicidade por si só. Em poucas palavras, eles decidiram esperar e, enquanto esperavam, ficaram de olho no sol, como a toupeira havia aconselhado.
Não há muitos registros sobre o início da história dos grilos domésticos, mas eles provavelmente viajaram muito, preferindo os países mais quentes. Existem histórias de algumas famílias de grilos que descobriram uma espécie de paraíso para grilos na boca dos vulcões. Mas é difícil saber se essas histórias são verdadeiras. Se eles chegaram lá, parece que teriam sido varridos quando o primeiro vulcão entrou em erupção, então não é de admirar que a história não possa ser confirmada.
Enquanto isso, várias gerações de grilos morreram e as coisas permaneceram praticamente as mesmas. Mas as palavras da toupeira foram passadas de uma geração para outra. Essas palavras se tornaram um provérbio que confortava os grilos: "Tudo se encaixa e dá certo no final. Não há desejos e anseios sem motivo. Sempre há algo guardado que os explica, pode ter certeza disso. Mas você pode ter que esperar um pouco. Alguns terão que esperar por muito tempo, e outros por menos tempo. Mas, por favor, espere. Você verá -- tudo vai se encaixar e finalmente será perfeito."
Houve vislumbres de esperança durante o tempo de espera. Sempre que os humanos acendiam fogueiras, fossem eles andarilhos nas florestas profundas ou pessoas que viviam em tendas, os grilos que estavam na área ficavam entusiasmados com uma expectativa arrebatadora. Mas, infelizmente -- quando os viajantes humanos se mudaram, ou as tendas foram transferidas para outro lugar, a decepção posterior foi intensamente amarga para os grilos.
Havia também algumas dicas malignas de algumas criaturas problemáticas que são encontradas em todos os lugares, dizendo que esta seria a vida dos grilos para sempre, e não havia mais nada para eles. Assim, eles iam da alegria extrema à provocações cruéis. Seria esse o destino deles para sempre?
"Não, nós nos recusamos a acreditar!" gritaram os grilos no meio de seu desgosto. "Tudo vai se encaixar e finalmente será perfeito", eles cantaram o mais alto que puderam. "Não há desejos e anseios sem alguma razão." Eles continuaram cantando a mesma mùsica até que os malfeitores finalmente se cansaram de ouvi-la e os deixaram sozinhos para cantar e chorar. Foi preciso muita força de vontade e determinação para resistir à zombaria quando parecia que isso seria, de fato, a vida deles para sempre.
Demorou muito, mas finalmente chegou o dia de sua libertação e alegria! Com o primeiro fogo na lareira ao redor da chaminé da primeira casa antiga, o motivo dos desejos e anseios dos grilos foi finalmente atendido! Quando as fogueiras queimavam todas as noites nas casas dos homens, toda a tristeza e dùvida da vida dos grilos acabavam. Essas dùvidas e perguntas pareciam passar como os pesadelos de uma noite agitada que se desvanecem na alegre realidade da luz do dia. Como os grilos estavam felizes! Eles gritaram alto e pularam tão alto! "Sabíamos que seria assim! A boa e velha toupeira estava certa! Os animais zombeteiros estavam errados! Finalmente tudo está perfeito, e ninguém é tão feliz quanto nós!"
E agora, ouça a criancinha sentada com a idosa cega e surda no banco: "Vovó, que tipo de criatura eu ouço cantando no canto perto do fogo?"
"Eu não ouço, minha querida, e não sei", ela respondeu. "Mas se está cantando, minha querida, então deve estar feliz aproveitando o calor do fogo tanto quanto eu. 'Que tudo que tem fôlego louve ao Senhor'."
Pode haver muitas vozes felizes rindo e tagarelando em torno de nossas fogueiras quentes e amigáveis, mas nenhuma voz é mais alta ou mais grata do que a voz do grilo paciente. Ele esperou em meio à dùvida e ao desânimo. Ele esperou através da incerteza e da confusão. E agora sua casa brilha com calor e luz. Sim, ele recebeu bons conselhos de uma criatura que parecia mais simples e cega que o próprio grilo, mas não é a primeira vez que bons conselhos vêm de uma fonte humilde.
E agora sabemos por que tantos grilos entram em nossas casas e prosperam ao lado de nossas alegres fogueiras. Eles cantam tão alto e por tanto tempo que, infelizmente, algumas donas de casa se cansam do barulho e tentam afastá-los. Mas há um velho ditado que diz que os grilos trazem boa sorte para a família cujo lar eles compartilham. E eles trazem! Eles trazem um recital sobre uma promessa cumprida. Eles cantam uma canção sobre a esperança que se torna realidade. Mesmo que sua canção de chilrear não tenha palavras que possamos reconhecer como fala, ainda podemos ouvir a voz do grilo cantando as doces harmonias e profundas verdades da natureza para qualquer um que goste de ouvir com profundo respeito.
A Lei Da Floresta
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
"Cada um de nós deve agradar ao próximo para o bem dele." (Romanos 15:2, NVI)
"Nunca!"
Que palavra para ouvir na floresta logo cedo em uma manhã de verão! O sol acabara de romper a névoa e o orvalho ainda estava sobre as flores. A natureza estava passando por todas as mudanças que ela passa da noite para o dia, adaptando-se ao que era necessário para as ensolaradas.
"Nunca!"
Que palavra para ouvir de uma jovem criatura! Era um abeto, e ele era tão jovem que não sabia muito mais sobre o que havia acontecido antes de sua vida do que sobre o que aconteceria no futuro, então não estava qualificado para fazer um julgamento preciso sobre muitas coisas. No entanto, parece que são sempre os jovens e inexperientes os mais confiantes em seus pontos de vista e teimosos em suas opiniões! O jovem abeto não estava pensando nas lições que a Natureza estava ensinando. Ele também não estava pensando em como era desqualificado para tomar tal decisão. Ele enfiou seus galhos pontudos em todas as direções no rosto de todos e disse novamente:
"Nunca!"
Isso assustou um esquilo que estava sentado em uma árvore próxima, alegremente colhendo sementes de uma pinha de abeto. O esquilo largou a pinha no chão e saltou de galho em galho, subindo o mais alto que pôde. Então ele olhou para baixo e disse timidamente para si mesmo: "Eu me pergunto o que há de errado com os abetos?"
Não havia nada de errado com os abetos, mas era isso que estava acontecendo com eles: eles cresciam na floresta com outros tipos diferentes de árvores. Haviam carvalhos, olmos, faias, larícios, vários tipos de abetos e um vidoeiro de casca prateada aqui e ali. Havia um vidoeiro em particular que estivera observando os abetos durante toda a primavera. Ele notou como eles estavam crescendo rápido e que hábito irritante eles tinham de sempre atrapalhar os outros. Eles nunca se curvaram para abrir caminho para a conveniência de qualquer outro ser.
Se ele tivesse olhado, teria visto a mesma coisa cinquenta anos atrás. Mas ele não era muito observador e geralmente não notava os costumes de outras pessoas. Foi só quando a árvore de abeto ao lado dele se aproximou o suficiente em um dia ventoso, e seus ramos afiados arranharam pedacinhos da sua delicada casca papirácea, que ele notou as árvores de abeto.
Geralmente é assim -- as pessoas só prestam atenção nos outros quando isso interfere em seu próprio conforto. O vidoeiro não se importava muito com o que o abeto fazia em geral, mas absolutamente não gostava de ser arranhado no rosto. Ele sentiu o abeto arranhando-o e decidiu, portanto, que os abetos estavam no seu caminho.
A princípio, ele tentou se desviar e sair do caminho do abeto, pois tinha uma personalidade naturalmente dócil e bem-humorada. Mas não ajudou. Ele não conseguia se curvar e se mover tão rápido quanto os galhos dos abetos cresciam. Não importava o que ele fizesse, os galhos dos abetos continuavam empurrando-o, cutucando-o e irritando-o o dia todo.
Logo, era muito compreensível que o pobre vidoeiro começasse a olhar em volta para ver se era justo e correto que os abetos estivessem tanto no seu caminho. Sua conclusão foi que era completamente injusto e errado da parte deles.
"Afinal", ele disse, notando que havia um pequeno bosque deles crescendo bem próximos ali mesmo, "se eles continuarem crescendo assim, estendendo seus galhos para todos os lados, eles vão ficar muito quentes e apertados. Nenhum ar conseguirá passar por entre eles, e isso será muito ruim para a saùde deles. Para o bem deles, assim como para o meu, vou dar-lhes alguns conselhos ùteis".
Então, na manhã da nossa história, depois de ser arranhado e cutucado mais do que de costume, o vidoeiro decidiu conversar com seus amigos.
"Se você apenas cedesse um pouco e parasse de esticar seus galhos tão rigidamente em todas as direções, acho que ficaria muito mais confortável e seria mais agradável para todos os seus vizinhos. Por favor, tente."
"Você é muito ousado, para dar conselhos que nunca pedimos!" gritou o abeto que estava mais próximo do vidoeiro, em tom rude. "Estamos confortáveis o suficiente do jeito que estamos. E afinal para quem devemos abrir caminho?"
"Para mim e para todos os seus vizinhos", disse o vidoeiro, um pouco irritado com a resposta impetuosa.
Foi quando o jovem abeto gritou: "Nunca!" em um tom muito firme. Os abetos próximos a ele repetiram sua resposta: "Nunca!" Logo todos os abetos estavam gritando juntos: "Nunca, nunca, nunca!" E isso assustou o pobre esquilo, de modo que ele deixou cair a pinha. Todos os pelos de sua bela cauda peluda tremeram de medo quando ele espiou do topo da árvore, imaginando o que havia de errado com os abetos.
Havia uma coisa errada com eles: eles eram teimosos. E, como ninguém pode ser teimoso sem ser também egoísta, havia mais coisas erradas com eles do que eles mesmos suspeitavam, porque teimosia e egoísmo são qualidades ruins de se ter. Mas eles eram tão inconscientes de seu próprio caráter que ficaram orgulhosos da maneira rude com que responderam à sugestão gentil do vidoeiro. Na verdade, eles ficaram satisfeitos consigo mesmos por mostrarem um espírito forte e independente, então enquanto gritavam a palavra "Nunca!" eles também esticavam seus galhos o mais rigidamente que podiam para que se cruzassem, e seus galhos se cruzavam e se enroscavam um no outro de modo que se entrelaçavam. "Olha que belo padrão estamos fazendo! Nossos galhos se encaixam perfeitamente uns nos outros! Ficaremos tão bonitos quando nossos galhos estiverem todos entrelaçados, cobrindo-nos em uma parede de verde por toda parte! Se os pombos soubessem que podíamos fazer isso, eles iriam querer fazer seus ninhos aqui! Pena que não o fizeram, coitados. Eu posso ouvi-los arrulhando na árvore de olmo -- eles estão em uma altura muito inconveniente e estão muito expostos lá."
"Não se preocupe conosco", arrulhavam os pombos de seus ninhos no olmo. "Estamos mais felizes aqui, onde estamos. Precisamos de mais brisa e mais sombra de folhas do que você pode nos dar com seus galhos grossos e densamente crescidos."
"Cada um com seu gosto", disse o jovem abeto, um pouco irritado com a resposta distante do pombo. "Se você prefere vento e chuva em vez de abrigo de verdade, então está melhor onde está. Mas não fale sobre sombra de folhas, porque você não tem nada disso onde está agora em comparação com o que você encontrará aqui quando ficarmos totalmente verdes."
"Mas quem sabe quando isso vai acontecer?" perguntou o pombo gentilmente. "Meus amigos, vocês não percebem que a primavera acabou? É o início do verão, e todos os brotos na floresta já viraram folhas. Olhem para vocês mesmos: vocês são verdes por fora, com cores perenes e novos brotos verdes de verão, mas não por dentro, em seus galhos internos."
"Bem, isso é porque somos perenes. Nós não brotamos de forma regular e uniforme como acontece com outras árvores", sugeriu um dos abetos. Mas ele se sentiu um pouco inseguro com sua resposta tola. Porém os outros abetos acharam que era um raciocínio excelente e ficaram aliviados por qualquer explicação para o mistério da coloração desigual que os intrigava.
Então todos gritaram: "Sim, claro!" com firme certeza. E um deles ainda acrescentou: "Nossos galhos externos estão verdes e crescendo há algum tempo; sem dùvida, logo estaremos verdes por toda parte!"
"Sem dùvida!" ecoaram todos os outros abetos, porque geralmente concordavam com as opiniões uns dos outros e tinham orgulho de sua lealdade familiar.
"Não vamos discutir com você", arrulharam os pombos. "A vida é curta; não há tempo nem para o amor. Como pode haver tempo para brigar?"
Então as coisas continuaram da mesma maneira, e as semanas se passaram. Os galhos entrelaçados dos abetos não ficaram mais verdes. Mas adoráveis pinhas pequenas pendiam entre os galhos externos. Do lado de fora do bosque de abetos, eles pareciam saudáveis e florescentes.
Infelizmente, dentro estava tudo marrom e seco. O marrom e a secura se espalharam cada vez mais, ao invés de ficarem verdes. E não era de admirar, porque era um verão excepcionalmente seco. O ar confinado entre os abetos tornou-se rançoso e destrutivo. Depois de algumas chuvas fortes, uma névoa ùmida pairava perto do solo, e nenhuma brisa fresca poderia soprar para afastá-la.
No entanto, os abetos permaneceram teimosos como sempre. Eles continuaram crescendo da mesma forma e se esforçaram para acreditar que tudo estava bem.
"Que diferença faz", eles argumentaram, "se somos verdes ou não por dentro ? Estamos prosperando e saudáveis em todos os outros lugares, e os galhos secos embaixo não significam muito, até onde posso ver. Eu me pergunto, porém, por que alguns galhos são mais verdes do que outros?
"É ridículo você se perguntar", disse o vidoeiro, que estava cada dia mais irritado por ser cutucado e arranhado. "Nenhuma árvore do mundo poderia prosperar e se dar bem se insistisse em crescer como você. Mas não adianta falar com você. Você deve sentir seus galhos cutucando e estar ciente de como vocês se atrapalham sempre que se movem. Você também está no caminho de todo mundo – especialmente no meu!
"Vidoeiro", retrucou o jovem abeto, "seu mau humor está tornando você muito injusto. Fazemos questão de nunca interferir uns com os outros, ou com qualquer outra pessoa! "Nossa lei de vida é seguir nosso próprio caminho, fazer as coisas à nossa maneira e permitir que todos os outros façam o mesmo. Reivindicamos isso como nosso direito."
"Sim, reivindicamos isso como nosso direito!" ecoaram todos os outros abetos.
"Não se preocupe com seus 'direitos'", disse o vidoeiro. "Qual é a vantagem de ter o direito de tornar a si mesmos e a seus vizinhos infelizes? Se todos nós vivêssemos vidas solitárias, sozinhos em um campo, tudo bem. Todo mundo seria capaz de seguir seu próprio caminho e fazer suas coisas à sua própria maneira sem perturbar ninguém. Mas cooperação e fazer concessões uns aos outros é a lei da floresta. Se não vivêssemos de acordo com essa lei, seríamos todos miseráveis juntos."
"Vidoeiro", disse o jovem abeto, "Você é uma daquelas pessoas que pensa que fraqueza na verdade é apenas cooperação". Você acha que uma coisa ruim é uma característica boa. Mas eu discordo! Nós abetos somos livres para termos nossas próprias ideias e formar opiniões diferentes das de todos. E somos corajosos o suficiente para seguir os planos e hábitos que escolhemos, mesmo que tenhamos que lutar por isso."
O abeto se eriçou todo rígido quando ele disse isso.
"Mesmo que isso custe seu próprio conforto e o conforto de todos ao seu redor?" perguntou o vidoeiro em tom divertido.
"Você está nos pedindo para ceder, e isso é absurdo e impossível!" respondeu o abeto, não respondendo realmente à pergunta. "Não é errado ou irracional crescermos da maneira que quisermos. Então como isso pode prejudicar alguém? Eu me recuso a me rebaixar e mudar a maneira como faço as coisas apenas para agradar a outra pessoa. Mas algumas pessoas comprometeriam seus princípios mais preciosos apenas para que eles possam se dar bem com seus vizinhos!"
"Não é isso que estou dizendo", disse o vidoeiro. "Não me interprete mal. Pelo contrário, algumas pessoas se apegam à teimosia mais ridícula e ao egoísmo mais cruel, chamando-o de caráter forte, ou princípio imutável, ou qualquer outra coisa. Que princípio é esse que faz você insistir em sua maneira rígida e problemática de crescer, a menos que seja o princípio de fazer o que você quiser, mesmo que machuque os sentimentos de outras pessoas?"
"Rude!" gritou o jovem abeto. "Crescemos da maneira que a Natureza nos diz. Já que a Natureza nos faz crescer assim, temos um direito óbvio de crescer dessa maneira. Também temos nossa própria personalidade ùnica; não somos como outras árvores que podem alterar seu comportamento para uma submissão sem sentido para que seus vizinhos gostem deles."
"Eu não deveria perder meu fôlego falando com você", disse o vidoeiro. "E, no entanto, eu gostaria que você me ouvisse um pouco mais. Você acha que a faia sacrifica sua própria personalidade e caráter quando ela dobra seus galhos graciosamente para que a amiga ao lado dela também tenha espaço para crescer? Veja como ela cresce magnificamente. Ela parece estar se estendendo para proteger as outras árvores e, no entanto, ninguém é mais acomodadora e dócil do que ela."
"A personalidade natural dela é ser subserviente. Mas a nossa personalidade é ser natural e obstinados!" gritou o jovem abeto.
"É uma tendência natural dela criar galhos em todas as direções, assim como em todos os tipos de árvores", insistiu o vidoeiro. "Mas ela controla o que sua natureza a faz querer fazer em benefício do conforto e conveniência de seus vizinhos."
"Eu rejeito esse exemplo", gritou o abeto. "A faia é a mais fraca e maleável de todas as árvores da floresta. Eu desaprovo completamente a submissão que você tanto valoriza . Você nunca verá nós, os abetos, curvando-nos como fracos e contradizendo nosso próprio caráter, nem mesmo para prosperar na floresta!"
Era inùtil tentar falar de bom senso com os abetos, então o vidoeiro decidiu desistir, murmurando para si mesmo: "Apenas espere! Você logo verá os resultados de sua recusa em cooperar."
Isso deixou o abeto curioso e ele esperou para ouvir mais. Mas o vidoeiro não disse mais nada, então finalmente o abeto respondeu a si mesmo em um tom esnobe e indiferente: "Não sei o que você quer dizer com 'resultados'."
"Ah, você saberá em breve", murmurou o vidoeiro indignado. Estava ventando e os galhos ondulantes do abeto raspavam dolorosamente sua casca. "E quando isso acontecer, não terei que lidar com mais nenhum de seus aborrecimentos."
"Pelo menos explique o que você quer dizer claramente para que eu possa te entender!" gritou o abeto, ficando um pouco inquieto.
"Você quer que eu lhe diga em linguagem clara e simples? Ok, eu vou", disse o vidoeiro. "Todos vocês estão morrendo."
"Nunca!" exclamou o abeto, mas estremeceu de medo ao dizê-lo. E quando os outros abetos ecoaram a palavra em concordância, tremeram tanto quanto ele.
"Muito bem. Veremos", disse o vidoeiro. "Todo mundo é cego para seus próprios defeitos, e não é divertido contar algumas verdades para pessoas teimosas. Mas todo pássaro que saltita pela floresta notou que seus galhos estão todos se transformando em gravetos secos. Em alguns anos, o seu exterior será tão marrom quanto o interior. As moscas e mosquitos que enxameiam o ar viciado entre todos vocês sabem disso. O esquilo não se atreve a pular em seus galhos marrons e quebradiços. Ele sabe que eles quebrariam sob seu peso. O pombo insinuou sobre sua condição há muito tempo. Mas você não entendeu a dica. E agora é tarde demais para você ser ajudado."
Era tarde demais e um arrepio percorreu os abetos quando ouviram essas palavras. Eles tentaram não acreditar muito neles. Quando chegava o inverno, era fácil desacreditá-los porque, quando todas as árvores estavam cobertas de neve, ninguém conseguia distinguir um galho vivo de um galho morto. Então, quando a neve caiu, as árvores perenes do lado de fora (como os abetos) pareciam vivas, enquanto as outras árvores pareciam mortas. Eles não eram perturbados e incomodados pelas outras árvores agora, porque as árvores sem folhas estavam meio adormecidas durante o inverno e sem vontade de conversar. Então a floresta ficou em silêncio. As árvores perenes eram as ùnicas que tinham espírito suficiente para dizer qualquer coisa.
Um dia, os abetos decidiram perguntar ao seu primo distante, o abeto escocês, sobre o assunto. O abeto escocês vivia entre sua própria espécie, em um grande bosque de todos os abetos escoceses, em uma colina na floresta. Mas primeiro o abeto teve que descobrir como enviar uma mensagem para ele. Por fim, o esquilo concordou em perguntar ao abeto escocês se ele alguma vez cedeu para dar lugar a outros. O esquilo voltou com a resposta -- "Devemos quando não há como evitar." Os abetos decidiram que seu primo havia se rebaixado até aos próprios olhos e se recusaram a aceitar qualquer conselho de alguém tão fraco.
Então os abetos reclamaram uns com os outros sobre como o mundo era desagradável e tentaram se convencer de que o vidoeiro havia exagerado e interpretado mal sua condição apenas para oprimi-los. Eles disseram uns aos outros que, na verdade, não tinham nada a temer. Mas eles estavam muito ansiosos e inquietos. Depois de mais uma primavera e verão, todas as outras árvores recuperaram suas folhas e a floresta experimentou um despertar geral. Então os abetos ficaram alarmados. A secura marrom havia se espalhado ainda mais! Havia menos verde mesmo nos galhos mais grossos.
Se eles tivessem apenas ouvido conselhos, mesmo naquela época, poderiam estar bem. Os pássaros menores disseram que era difícil pular entre eles. O esquilo disse que se sentiu sufocado quando passou por baixo deles para pegar uma pinha. Mas os abetos tinham colocado na cabeça que era bom ter um espírito independente e não ouvir o que os outros diziam. Eles decidiram que era certo e aceitável seguir seu próprio caminho e fazer suas próprias coisas, desde que fosse permitido que outros fizessem o mesmo. Viva e deixe viver! Mas, embora vivessem de acordo com sua própria lei, esqueceram-se que as teorias abstratas só funcionam quando se mora sozinho. Elas raramente funcionam quando você mora com outros em uma floresta cheia de árvores.
Então eles continuaram da mesma forma que sempre fizeram. O vidoeiro não falava mais com eles, nem para reclamar de cutucar e arranhar. Talvez a casca prateada tivesse saído de seu tronco e o endurecido. Ou talvez ele tivesse aprendido a tolerar um fato desagradável da vida sobre o qual não podia fazer nada. De qualquer forma, não houve mais argumentos do vidoeiro. Ninguém mais disse nada sobre a condição dos abetos. Isto é, não até uma primavera, alguns anos depois. A floresta toda se assustou quando um novo dono chegou para visitar sua nova propriedade.
De vez em quando, ouvia-se o som de um machado e muita conversa, porque o dono estava com seu lenhador. Por fim, ele alcançou o bosque de abetos.
Ele exclamou surpreso ao vê-lo, e não é de admirar. Quase todos os abetos sofreram por seu erro egoísta e morreram gradualmente. Eles ainda permaneciam tão altos quanto sempre, mas estavam secos, murchos, lembranças mortas de uma teimosia falaciosa. O proprietário e o lenhador conversaram por um bom tempo, e disseram um ao outro que metade daquelas árvores deveriam ter sido removidas anos atrás. Eles estavam agrupados muito próximos um do outro para prosperar e, devido à maneira desajeitada em que cresceram, a maioria dos que ainda estavam vivos com certeza morreria.
Em todo o bosque, havia apenas um abeto que tinha vida suficiente para ouvir essas palavras. Todos os seus outros amigos do abeto foram cortados um a um na frente dele. Ele estava um pouco fora do bosque, então ainda estava vivo, e o proprietário o poupou na esperança de que ele pudesse sobreviver apenas o suficiente para ser cortado para uma árvore de Natal.
Ele passou por um verão triste e solitário, embora agora o ar finalmente pudesse soprar livremente ao seu redor. Ele se recuperou e cresceu, e sentiu-se revigorado pelo vento. Passarinhos pousavam em seus galhos e cantavam sobre felicidade e amor. Mas todos os seus amigos que haviam pensado com ele e ficado ao seu lado morreram e foram esquecidos.
Ele tinha certeza de que havia algum engano em sua maneira de pensar, mas não fazia muita diferença agora descobrir onde. Seus vizinhos não zombaram dele ou disseram: "Eu avisei", nem mesmo o vidoeiro que finalmente se livrou dos galhos do abeto que arranhavam e cutucavam. As árvores daquela linda floresta tinham um espírito gentil e não se alegravam com os infortùnios alheios.
Então, foi apenas na época do Natal, quando toda esperança se foi e ele foi cortado, que o abeto finalmente aprendeu a lição de seu destino.
Enquanto ele estava na casa, coberto com belas decorações e presentes, multidões de crianças correram para frente, empurrando e atropelando, e praticamente caindo umas sobre as outras em seu esforço para alcançar seus galhos. Cada uma daquelas crianças indisciplinadas seguia seu próprio caminho, fazendo as coisas da sua própria maneira, sem dar atenção ao conforto ou aos desejos de ninguém. Quando os pais intervieram e detiveram os filhos briguentos, dizendo-lhes para cederem uns aos outros, 'dar honra aos outros mais do que a si próprios.' [Romanos 12:10, NVI], pensando na felicidade de todo o grupo e não apenas no indivíduo -- de repente o abeto compreendeu. A resposta para a questão confusa do propósito da vida e regras sobre viver com os outros finalmente ficou clara, e ele repetiu as palavras do vidoeiro para si mesmo:
"Cooperar e fazer concessões uns aos outros é a lei da floresta. Se não vivêssemos de acordo com essa lei, seríamos todos miseráveis juntos."
Esse foi o ùltimo pensamento que ele teve.
O Pão De Cada Dia
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
"Seu Pai Celestial sabe que você precisa de todas essas coisas." (Mateus 6:32)
"Gostaria que sua alegria tivesse um momento melhor", disse uma tartaruga que vivia no jardim nos subùrbios ao tordo de peito vermelho, enquanto cantava alegremente de um espinheiro nos arbustos.
"Sinto muito", disse o tordo, "não sabia que isso iria incomodá-lo."
"Então você não deve ser muito observador, meu amigo", disse a tartaruga. "Fiquei enfiando a cabeça debaixo das folhas e gravetos a manhã inteira tentando fazer um buraco confortável para tirar uma soneca. E agora, toda vez que estou quase pegando no sono, você começa com esse barulho!"
"Você não está sendo muito educado, senhor," disse o tordo, "para chamar minha mùsica de 'barulho'. E me criticar por não ser observador é irracional. Este é o primeiro ano que moro aqui neste jardim. Eu tenho cantado durante toda a primavera e todo o verão, e você nunca reclamou disso antes. Como eu poderia saber que você não gostaria agora?"
"Eu não deveria ter lhe contado, você deveria ter observado e me visto e assim saberia", disse a tartaruga. "Eu sei que cantar é o que vem naturalmente para você, e eu não me importo de ouvir todos vocês passarinhos cantando quando há algo para cantar. É animador. Quando o clima começa a esquentar no início da primavera, e as plantas estão começando a crescer e ficar suculentas, e está quase na hora de eu acordar do meu sono de inverno, então não me importo de ser acordado pelo canto dos pássaros. Mas agora é uma época miserável do ano. As frutas e flores se foram, as poucas folhas que restam estão secas e duras, os dentes-de-leão não servem para comer, e está ficando cada dia mais frio e ùmido. Neste momento, sua pretensão de ser alegre é ridícula. Você é um hipócrita! Você não pode estar feliz. E é enganoso fingir que você está.
"Sinto muito, senhor, mas me sinto feliz, mesmo que pense que não", respondeu o tordo.
"Quer dizer que você gosta de clima frio e ùmido e de árvores sem bagas?"
"Bem, acho que prefiro dias quentes e ensolarados", respondeu o tordo, "se eu tiver que pensar sobre isso e fazer comparações. Mas por que eu deveria fazer isso? Estou confortável o suficiente como estou agora. Talvez a variedade de comida não seja mais a mesma, mas pelo menos há o suficiente para comer todos os dias, e todo mundo sabe que 'suficiente é tão bom quanto um banquete'. Pessoalmente, não vejo como posso deixar de estar contente."
"Contente! Que conceito enfadonho, ser meramente contente! Pode-se dizer que estou contente, de certa forma. Mas você está tentando fingir ser feliz, e isso é bastante diferente de simples contentamento."
"Mas estou feliz ", insistiu o tordo.
"Isso deve ser porque você não sabe o que está por vir," disse a tartaruga. "Neste momento, o clima está bastante ameno, e há minhocas ao seu redor para você comer. Mas o que você fará quando o solo congelar e ficar tão duro que as minhocas não conseguirem se locomover, e seu bico não puder alcançá-las?"
"Tem certeza que isso vai acontecer?" perguntou o tordo.
"Ah, sim! Vai acontecer em algum momento durante o inverno. Na verdade, pode acontecer a qualquer momento. É por isso que estou tão ansioso para dormir e sair do caminho."
"Bem, se isso acontecer, não vai me incomodar", disse o tordo. "Ainda há muitas bagas sobrando."
"Mas e se acontecer depois que todas as bagas acabarem?" perguntou a tartaruga, que estava ficando um pouco frustrada por não conseguir assustar o pássaro com seu canto alegre.
"Se tudo se resume a 'e se'", exclamou o tordo, "então e se isso não acontecer? Presumo que não, então ainda assim ficarei feliz."
"Mas acho que há uma boa possibilidade de que isso aconteça", insistiu a tartaruga.
"E eu digo que há tanta possibilidade de que não aconteça", disse o tordo. Ele era tão determinado quanto a tartaruga.
"É impossível dizer", disse a tartaruga. "Ninguém pode saber exatamente o que vai acontecer com o clima ou com as frutas antes que aconteça."
"Então por que alguém deveria se preocupar com isso antes que aconteça?" persistiu o tordo. "Se algo pudesse ser feito para evitá-lo, seria diferente. Mas como não há nada que possamos fazer, a ùnica coisa a fazer é ficar feliz por qualquer conforto e bênçãos que cada dia traz." E o tordo começou a cantar uma de suas canções favoritas, mas a tartaruga o interrompeu.
"Então, pelo menos, dê aos outros a oportunidade de serem felizes, não fazendo tanto barulho. Seu canto seria compreensível se os galhos estivessem cheios de espigas e amoras, mas como estão todos murchos ou comidos, você não tem motivo para ficar cantando naquele arbusto específico. Então, por que você não vai para outro lugar e canta?"
"Tudo bem, eu vou," respondeu o tordo educadamente. "Não faz diferença para mim onde eu canto. Espero que você tenha um bom dia e um sono revigorante, se é isso que você quer."
E depois de dizer isso, o tordo voou para outra parte do jardim onde poderia se divertir sem ser interrompido. A tartaruga começou a cavar-se sob as folhas e gravetos novamente para tirar sua soneca.
Mas depois de algumas horas, a névoa da manhã e o frio desapareceram. O sol apareceu por três ou quatro horas, como costumava acontecer no início da tarde, e o dia ficou lindo.
A velha tartaruga viu que tarde linda. Ela ainda não havia criado um buraco perfeitamente satisfatório para dormir, então saiu de debaixo dos arbustos e se aqueceu ao sol.
"Isso é uma grande surpresa!" ela falou pra si própria. "É tão agradável e quente, mas duvido que vá durar. É uma pena. Mesmo assim, acho que ainda não vou dormir ."
E foi gingando até a horta. Um de seus lugares favoritos para se aquecer era sob a parede de tijolos. Ela se inclinou de lado contra o tijolo quente e tomou sol ali por uma hora. Era agradável aquecer sua concha ao sol. Ela não se atreveu a fazer isso no verão porque o sol estava muito quente.
Enquanto isso, o pequeno tordo continuou cantando em um canto tranquilo do jardim, onde ninguém se incomodava com sua alegre canção. Era um pequeno jardim, com um círculo de grama no meio, onde uma linda fonte funcionava dia e noite.
Quando ele fez uma pausa em seu canto, e especialmente depois que o sol saiu, ele se perguntou sobre todas as coisas estranhas e desagradáveis que a tartaruga havia dito. E pensar que a tartaruga queria dormir e ficar fora do caminho, quando agora estava tão ensolarado e o jardim parecia primavera. Se ele não tivesse pensado que a tartaruga poderia pensar que ele era rude, ele teria voltado e acordado a tartaruga e dito a ela como era agradável, mas ele não ousou.
E, no entanto, quando pensou nisso, não pôde deixar de notar que não estava ouvindo nenhum outro pássaro cantor no jardim além dele. Que estranho. Qual seria a razão? Costumava-se ouvir um rouxinol todas as noites, aqui mesmo. Mas agora, pensando bem, fazia meses que não ouvia a bela voz do rouxinol. Quando ele perguntou aos outros ao seu redor por que, ninguém parecia saber.
O tordo ficou muito pensativo e até um pouco inquieto.
E o melro-preto? Por que ele estava tão calado? Será que o mundo inteiro estava exatamente como a tartaruga havia dito, pensando que era sensato dormir e sair do caminho?
O tordo quase ficou alarmado. Ele ficou tão inquieto que voou até encontrar um melro-preto com quem pudesse conversar. Ele perguntou a este melro-preto por que ele havia parado de cantar.
O melro-preto olhou para ele surpreso.
"Quem pode cantar neste outono sombrio e clima de inverno?" ele disse. "Realmente, mal conheço alguém que seja ousado e imprudente o suficiente para cantar agora, exceto você. As cotovias às vezes cantam, é verdade, mas levam vidas estranhas voando no céu e vivendo sozinhas. O que elas fazem não é comum para mais ninguém. O seu piar persistente é, na minha humilde opinião, muito fora de época com a estação do ano. Neste clima, toda criatura sábia está ansiosa e preocupada com o futuro. A ùnica desculpa que posso pensar para o seu cantar é que você deve ser ignorante e simplório, e você não sabe como mudar isso."
"Seria mais educado da sua parte atribuir meu canto ao fato de estar alegremente contente, não importa o que possa acontecer", gritou o tordo, agitando as penas enquanto falava. "Aceito com alegria as bênçãos de cada dia à medida que chegam e nunca desejo mais do que o que vem. Mas aqueles como você, que desejam que o presente seja melhor do que é e sempre temendo que o futuro será pior, estão perdendo todo o prazer do momento em que estão agora. Você pensa que está sendo sábio, mas para mim parece tolo e ingrato.
E depois que ele disse isso, o tordo voou o mais rápido que pôde. Para dizer a verdade, ele sentiu que havia sido um pouco rude em seu ùltimo comentário. Ele era um pássaro bastante jovem para estar dizendo a outras pessoas como viver. Mas os tordos são sempre ousados e também podem ter temperamento explosivo, embora sejam gentis de coração. O tordo sabia que havia sido insultado, mas isso não era desculpa para falta de educação. Se as pessoas souberem que estão certas, não há necessidade de ficarem irritadas e responderem rudemente.
E o tordo sentiu que estava certo. Mas é tão difícil resistir à influência de sugestões negativas, mesmo quando você sabe que são prejudiciais e tenta se afastar delas. Elas tendem a invadir seu coração quando você não está ciente delas e ameaçar os princípios que pareciam tão firmes. Até certo ponto, foi isso que aconteceu com o tordo. Antes de pensar muito mal dele, lembre-se de que ele era jovem e não se podia esperar que ele passasse a vida sem cometer um erro.
À medida que o inverno esfriava, seu ânimo diminuía. Ele continuou a cantar todos os dias e teria mantido suas opiniões se alguém discordasse dele, mas em sua mente pessoal, ele estava inquieto e ansioso. Ele se preocupou com o que a tartaruga e o melro-preto haviam dito, e isso perturbou sua paz e conforto.
Quanto mais frio ficava, mais deprimido ele ficava. Não é que o frio o incomodasse, mas ele estava preocupado com o quão frio poderia ficar. Enquanto ele pulava na grama ao redor da fonte pegando minhocas e outros alimentos, ele estava prestes a chorar ao pensar no futuro, quando o solo poderia estar muito congelado e difícil de pegar as minhocas.
Se isso tivesse durado muito mais tempo, o pobre tordo iria querer dormir como a tartaruga. Se ele tivesse feito isso, não haveria mais cantoria no jardim naquele ano.
Mas os tordos são passarinhos corajosos, além de ousados e atrevidos. Um belo dia, o tordo pensou consigo mesmo que gostaria de conversar sobre tudo com uma velha cotovia de quem alguém lhe contou e que às vezes visitava um matagal um pouco distante. Então ele foi procurá-la.
No caminho para lá, ele ouviu algumas cotovias cantando alto no céu sobre os campos. Quando ele chegou ao matagal, o canto havia levantado seu ânimo e parecia que seu humor melancólico havia ficado para trás.
Isso também é bom porque, ao se aproximar do matagal, ouviu a voz da cotovia. Era tão triste e baixo que deixaria qualquer um triste ao ouvi-lo. Quando o tordo elogiou a cotovia por seu canto excelente, a cotovia não pareceu muito impressionada com o elogio. Ela confidenciou ao tordo que, embora achasse certo cantar e agradecer enquanto houvesse algo pelo que agradecer, ela não estava tão feliz quanto parecia porque, na verdade, sempre esperava morrer a qualquer momento por não ter o que comer!
"Mas eu pensei que você tivesse morado aqui por algumas temporadas", disse o tordo. Agora ele estava mais alegre e seguro, então ele estava pensando de forma mais razoável nesta hora.
"Sim, é verdade, eu tenho", murmurou a cotovia, com um suspiro triste.
"No entanto, você não morreu de não ter nada para comer no inverno passado, não é?" observou o tordo.
"Parece que não", disse a cotovia, tão seriamente quanto possível, e com outro suspiro. Com isso, os olhos do tordo brilharam com alegria. Ele era uma criatura com senso de humor e alegre, e não pôde deixar de sorrir para si mesmo com a maneira solene da cotovia de admitir que ainda estava viva.
"E você não morreu no inverno anterior?" perguntou o tordo.
"Não", murmurou a cotovia novamente.
"Ou no inverno antes disso?" continuou o tordo atrevido.
"Bem, obviamente não", disse a cotovia, um pouco impaciente. "Afinal, ainda estou aqui, como você pode ver."
"Como você conseguiu se manter viva quando a neve caiu e não havia comida?" perguntou o tordo.
"Na verdade, eu nunca disse que não havia comida naqueles invernos", disse a cotovia, um pouco mal-humorada. Ela não gostava de ter suas opiniões contestadas. ""Pequenos pedaços de coisas sempre acabavam aparecendo acidentalmente. Mas isso não é garantia de que acontecerá novamente. Foi apenas uma coincidência."."
"Poxa, minha nobre amiga", exclamou o tordo, "você não tem nenhuma confiança no amável e carinhoso acaso que a ajudou tantas vezes antes?"
"Mas nunca posso ter certeza de que isso me ajudará novamente", murmurou a cotovia com tristeza.
"Mas esse mesmo tipo de oportunidade carinhosa trouxe para você um belo dia após o outro. Por que você deveria arruinar todos esses lindos dias com preocupação com o que poderia acontecer no futuro?"
"Deve ser uma fraqueza pessoal", disse a cotovia. "Vou me esforçar para me divertir mais. Você é muito sábio, pequeno tordo. Essa sabedoria o manterá feliz o ano todo."
Então a cotovia se elevou no ar e fez alguns círculos no ar, cantando alegremente o tempo todo. O mesmo tom melancólico ainda estava em sua voz, mas poderia ser apenas um hábito. De qualquer forma, sua mùsica era mais sincera e ansiosa.
"Você já parece melhor!" gritou o tordo alegremente. "Quanto a mim, se eu ficar tentado a desanimar, vou me lembrar do que você me disse sobre os invernos anteriores -- pequenos pedaços de coisas sempre acabavam aparecendo acidentalmente. Esse é um pensamento tão consolador!"
"Imagine-me ser capaz de consolar alguém!" gritou a cotovia. "Eu deveria tentar me consolar!"
"Sim, de fato!" exclamou o tordo com sinceridade. "Não adianta dar conselhos se você mesmo não os seguir."
Depois de dizer isso, o tordo cantou uma despedida agradável e voltou para seus arbustos no jardim. Ele havia encontrado uma pequena e confortável casa de inverno para si mesmo em uma parede coberta de hera.
Durante a semana seguinte, o tordo estava em seu estado de espírito mais feliz e continuou cantando, imperturbado por quaisquer pensamentos tristes. Ele estava simplesmente regozijando-se com qualquer conforto que surgisse em seu caminho todos os dias. Foi quando a tartaruga se aproximou dele novamente.
Quando o tordo ouviu sua voz, ele se assustou e se perguntou se seria repreendido novamente. Mas não foi isso que aconteceu. A velha tartaruga estava sentada perto de um buraco que havia aberto no chão com suas garras. Estava em um canto entre algumas pedras que estavam ali há anos. Havia uma pedra especialmente grande que pairava sobre a entrada do buraco. O vento havia soprado muitas folhas naquela direção. Alguns deles tinham até caído no buraco, de modo que parecia um leito quente e subterrâneo.
"Desça e me visite, passarinho!" disse a tartaruga com uma voz surpreendentemente amigável. O tordo pulou direto. "Você não precisa ter medo", continuou a tartaruga enquanto o tordo pulava perto dela. "Estou muito feliz agora. Veja que lugar confortável eu criei aqui no chão. Vá em frente, coloque sua cabeça e dê uma olhada. Você já viu algo tão aconchegante e confortável?"
O tordo espiou com seu olhinho aguçado. Ele ficou impressionado com o trabalho habilidoso da tartaruga e disse isso a ela.
"Entre", disse a tartaruga alegremente. "Há muito espaço, não é?"
O tordo saltou para dentro e olhou em volta. Ele ficou surpreso com o quão grande e confortável era o lugar. Ele admitiu que, sim, era um lugar tão confortável e espaçoso quanto qualquer um poderia desejar no inverno.
"Quem não gostaria de dormir em um lugar como este?" perguntou a tartaruga. "O que você diz, meu amiguinho? Você gostaria de ficar aqui comigo até a primavera? Você não precisa responder, eu posso ver isso em seus olhos. Você não se importa em dormir durante o inverno. Bem, acho que todos nós temos nossos jeitos diferentes de fazer as coisas. E o seu jeito é realmente um jeitinho agradável, suponho, quando não está incomodando outras pessoas. E você não vai mais me incomodar este ano, porque eu finalmente terminei minha cama. Em breve, estarei dormindo profundamente e não ouvirei mais nada do seu canto. É uma boa cama, não é? Não é tão agradável quanto as areias quentes da minha terra natal, mas o solo aqui é mais quente do que vocês, habitantes da superfície, pensariam. Se não fosse, como a gota-de-neve e o açafrão seriam capazes de sobreviver ao inverno? Bem, de qualquer maneira, eu só o chamei aqui para me despedir e mostrar onde estou e pedir que se lembre de mim na primavera -- se você sobreviver ao terrível inverno, quero dizer. Espero que você não se importe com o quão zangado eu estava no outro dia. Eu tenho uma tendência de ficar irritado às vezes, e você perturbou a minha soneca. Ninguém aguenta isso! Mas você vai me perdoar, não vai, passarinho?
O tordo de bom coração disse que sim e insistiu que não havia ressentimentos.
"Então, não se esqueça de mim na primavera", disse a tartaruga. "Venha e sente-se aqui no arbusto de louro e então cante para me acordar. Mas não até que os dias estejam quentes e as plantas estejam suculentas, é claro. Em qualquer momento depois disso. E agora, adeus! Há uma sensação estranha no ar. Em algumas horas, haverá neve e geada. Sua tolice é adorável e agradável, mas espero que não lhe custe a vida. Adeus!"
Então a velha tartaruga entrou em seu buraco e desapareceu de vista. Logo, as folhas sopradas cobriram completamente e obstruíram a entrada de sua toca. Ninguém jamais teria suspeitado que ele estava lá se não o tivessem visto entrar. Ele estava certo sobre o tempo. Uma noite pesada, cinzenta e fria foi seguida por uma noite terrivelmente fria. Pela manhã, começou a nevar. À medida que o dia avançava, os flocos de neve ficavam maiores e mais pesados, e não havia luz do sol para derretê-los. Uma forte geada começou e todo o campo logo foi coberto por um manto de neve branca. E agora a paciência e a esperança do tordo foram severamente testadas. É fácil ser encorajador e confiante quando o sol está brilhando, mesmo que seja apenas um pouco. Mas é quando vem a tempestade que descobrimos do que somos feitos.
"Ainda sobram algumas bagas", disse com alegre tranquilidade, quando foi procurar comida e encontrou um azevinho no portão do jardim com bagas vermelhas. Depois de comer alguns deles, ele cantou uma canção de alegria e gratidão para o céu frio de inverno. Então ele descansou sob seu arbusto de hera durante a noite, tão feliz e contente como sempre.
Mas aquela terrível tempestade durou semanas sem parar. Nas poucas vezes em que desacelerou um pouco, foi apenas para descongelar o suficiente para que a geada da noite congelasse tudo em gelo sólido que era ainda mais duro que a neve.
O tordo não era o ùnico pássaro que vinha até o azevinho em busca de bagas, e as bagas desapareceram bem rápido. Mas o tordo continuou a cantar. Ele cantava sua pequena canção de agradecimento após cada refeição. Esse era o jeito dele. Às vezes, outros pássaros zombavam dele, mas ele não se importava com isso. Ele tinha bravura, paciência e esperança, e isso o sustentaria contra quaisquer dificuldades que pudessem surgir. Um pouco de provocação não poderia afligir um espírito tão fortalecido pela alegre perseverança.
Muitas vezes ele pairava em torno da toca da tartaruga depois de agradecer por uma refeição de bagas de azevinho. "Vou viver este inverno e acordar a velha tartaruga, veja se não vou", dizia para si mesmo, e então pensava na primavera que um dia viria, trazendo dias quentes, plantas suculentas, e muitas delícias agradáveis.
Era um tormento para o tordo quando deixava sua mente divagar para os dias ensolarados da primavera, apenas para ser despertado de seus devaneios ao sentir-se incomumente frio e rígido. Ele teve que correr para sua casa sob o arbusto de hera para não congelar.
A variedade de mudanças no inverno também foi um desafio. A longa tempestade de inverno finalmente terminou e houve algumas semanas de tempo limpo. Ainda estava frio e ùmido, mas isso deu a todos os pássaros a oportunidade de abrir as asas voando por aí, e havia um pouco mais de comida. O tordo foi capaz de pular na grama perto da fonte novamente e encontrar algumas minhocas e sementes. Ele estava tão feliz com a mudança que meio que esperava que o inverno tivesse acabado. Sentou-se no loureiro perto da toca da tartaruga e cantou alegremente. Mas a pior tempestade ainda estava por vir -- e essa foi a tempestade de decepção em seu próprio coração.
Por que parece que nuvens pesadas pairam tão escuras sobre a terra pouco antes do Natal? Por que os campos ficam tão duros e brancos com a neve, e as árvores tão nuas e solitárias, e o rio tão congelado e coberto de gelo bem na hora em que as pessoas querem se alegrar e ser felizes? Como a escuridão que vem pouco antes do amanhecer, talvez aquelas nuvens pesadas venham despertar nossa simpatia e amor compassivo enquanto esperamos para dar as boas-vindas ao nascimento do Salvador com hosanas de alegria. Isso nos ajuda a lembrar da escritura que diz: 'Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes'. [Mateus 25:40 ARA] Talvez seja isso que devemos ter em mente quando suportamos o frio amargo de um Natal cortante e nevado. Essa é a melhor hora para agasalhar os que têm frio, alimentar o faminto e confortar o sofredor.
A neve caiu no jardim. Por dois dias inteiros, o tordo não conseguiu sair de seu abrigo coberto de hera. Mas ele finalmente ficou com tanta fome que se aventurou no azevinho perto do portão. Suas folhas espinhosas estavam cobertas de neve. Será que ele estava apenas imaginando que o azevinho era menor do que costumava ser? Ele pulou de um galho coberto de neve para outro. Parecia que um pouco do arbusto havia sumido! Ele olhou por baixo, por cima, sacudiu um pouco da neve -- mas não conseguiu encontrar uma ùnica baga em qualquer lugar do arbusto.
O tordo voou ao redor, muito angustiado. Ao fazer isso, ele avistou uma pilha de azevinho, louro e galhos de loureiro que haviam sido recolhidos para levar para a casa como decoração de Natal. O tordo pegou algumas bagas de azevinho da pilha. Estavam maduros e vermelhos, exatamente como os que ele vinha colhendo ultimamente no arbusto. Então o jardineiro veio e levou embora toda a pilha. O tordo voou atrás do jardineiro enquanto ele se afastava e o seguiu até que ele desapareceu dentro de casa, levando o azevinho com ele. A porta se fechou atrás dele, deixando o pássaro do lado de fora. Ninguém jamais soube dos olhinhos famintos que observaram tristemente enquanto sua comida era levada para longe da vista.
"Bem, pelo menos eu tive algumas bagas para comer. Eu deveria ser grato", decidiu o tordo enquanto voava de volta para o azevinho que agora estava despido e sem frutas. E ele cantou uma pequena canção alegre de agradecimento pelo pouco que havia comido.
Não havia vento soprando. Nem uma folha se moveu. O ùnico movimento foi quando a neve caiu de um galho carregado no chão. E o canto do passarinho faminto ergueu-se no ar naquela tarde fria e silenciosa de inverno.
Sobre o que ele estava cantando? Sua melodia clara, semelhante a um sino, com seu tom musical requintado, estava dizendo algo. Dizia algo além da história de um passarinho desolado cuja comida havia sido roubada e que talvez não encontrasse mais nada para comer.
Não, aquelas notas solitárias de alegria cantadas em meio a uma profunda escuridão eram como a mensagem de um anjo, vindo com uma promessa de paz e esperança bem no momento em que a paz e a esperança pareciam ter ido embora para sempre.
Naquele exato momento, o dono da casa estava voltando do trabalho. Foi um dia triste para ele. Fazia exatamente um ano desde que sua esposa havia morrido. E depois que ela morreu, dois de seus filhinhos também foram para o céu, criando uma barreira entre eles e seu pai, que ficou na terra. Não é de surpreender que o proprietário da casa tivesse um olhar de tristeza e pesar ao se aproximar da casa. Nem mesmo o pensamento do Natal chegando, e das crianças que ainda tinha, conseguia dissipar a nuvem de tristeza que o envolvia.
Da mesma forma que o outono chega à terra, as pessoas podem ter um outono em suas vidas. Tristeza e lágrimas podem ser misturadas com qualquer felicidade que experimentem, assim como nuvens e vento frio podem ser misturados com um dia claro de outono.
Mas de repente seu olhar vago de tristeza se assustou. Ele ouviu alguma coisa! Ao passar pelo jardim e passar pelo portão perto do azevinho, ele parou. Então ele parou e olhou para cima com seus olhos preocupados. Uma lágrima capaz de curar desceu por sua bochecha. A canção fora de época do tordo varreu seu coração, tão bela e comovente quanto a voz de um cuco no início da primavera. Continue cantando, passarinho! Cante de seu galho desolado, pequeno tordo da alegria e da esperança! Cante a mùsica que Deus lhe ensinou sobre estar contente aqui e agora! Se um passarinho pode ter tanta certeza da proteção de Deus, certamente as pessoas não serão abandonadas por Deus! Se um tordo pode ter alegria e paz no auge do inverno, então certamente as pessoas devem olhar além de seus problemas atuais.
O pobre passarinho inocente cantou sua canção e depois voou para longe. É compreensível que, ao se lembrar dos azevinhos que haviam sido levados para dentro de casa, rondasse as portas e janelas, com olhares ansiosos e curiosos. Ele pode ter visto um cacho convidativo pendurado na janela do meio, é difícil dizer. Mas então a janela foi aberta! Uma mão se estendeu e espalhou algo cuidadosamente na borda. Então a janela foi fechada e a pessoa na janela recuou, para longe da janela.
O tordo assistiu a tudo isso de uma roseira.
Logo ele sentiu o cheiro de algo -- algo que não reconheceu, mas cheirava bem! Havia algum perigo que ele deveria evitar? Tudo parecia quieto e imóvel. Ele deveria se aproximar e ver o que era? Puxa, aquele cheiro novamente! Ele não conseguiu resistir.
No minuto seguinte, ele estava no parapeito da janela. Com ousadia, como se tivesse sido convidado pessoalmente, devorou as migalhas de pão que ali estavam espalhadas.
Uma explosão de risadas o assustou por um momento, interrompendo sua alegria extasiante, e ele voou de volta para a roseira assustado. Mas nada aconteceu, então ele voltou em busca de mais migalhas.
As crianças lá dentro ficaram encantadas com o passarinho que seu pai havia atraído com migalhas de pão. Eles riram de seu salto ousado, suas bicadas ansiosas, seus olhos brilhantes como contas e seu peito vermelho brilhante. Mas o riso deles era gentil, não provocador.
"Eu acho que pequenas coisas sempre acontecem acidentalmente!" pensou o tordo consigo mesmo naquela noite, enquanto se esgueirava para seu abrigo coberto de hera. Naquela noite ele sonhou com o parapeito da janela e com a comida deliciosa! E na manhã seguinte, antes que alguém acordasse, ele foi visitar o parapeito mágico da janela novamente. Mas não havia crianças nem migalhas de pão. (Ele era apenas um pássaro, e não sabia nada sobre costumes sociais como horário do café da manhã!) Quase parecia que a refeição do dia anterior tinha sido um sonho, algo bom demais para ser verdade. Ou, de qualquer forma, bom demais para acontecer novamente. Mas nenhuma canção de pássaro de verão poderia ser mais doce do que a canção que tordo cantou para saudar aquela madrugada, que por acaso era dia de Natal.
Ele contou a história do banquete do dia anterior para a tartaruga, que ainda dormia em sua toca, e prometeu contar mais quando a acordasse na primavera.
E ele manteve sua promessa. Quer a tartaruga tivesse paciência para ouvir ou não, o tordo tinha muito a lhe dizer. Todos os dias havia uma refeição de migalhas de pão , espalhadas por seus novos amigos. Essas refeições diárias nunca falharam. E uma casinha de passarinho foi montada para ele ao lado do parapeito da janela. Estava coberto por dentro com algodão e feno, e era quase quente demais para seu corpinho robusto!
Mas não conseguiu colocar em palavras tudo o que sentiu naquele inverno. Ele não conseguia explicar a misteriosa amizade que se desenvolveu entre ele e seus protetores humanos. Ele não conseguia descrever adequadamente os rostos amigáveis que via sentados à mesa do café da manhã, onde podia pular quando queria!
Mas ele contou como costumava sentar-se na roseira todas as manhãs e cantar para dar boas vindas aos seus novos amigos quando eles acordavam. E contou como, no final da tarde, o pai às vezes abria a janela e ficava ali sentado sozinho, ouvindo a cantoria do tordo.
"Ah, vamos lá, meu amigo!" disse a tartaruga quando finalmente acordou e saiu de sua toca e ouviu o que o tordo disse. "Eu estive dormindo por um longo tempo e tive muitos sonhos que eu poderia contar a você se pudesse me lembrar deles. Eu suspeito que você tirou uma soneca e sonhou todas essas coisas. Mas, não importa -- eu estou muito feliz em ver que você sobreviveu ao inverno e ainda está vivo! Você nem parece tão faminto quanto eu esperava! Mas toda essa história sobre você cantar todos os dias, ter comida em abundância todos os dias e ser tão feliz o tempo todo... não tente fazer as pessoas acreditarem em tais absurdos inventados!"
NOTA DA TRADUTORA: O tordo nesta história é um tordo europeu, que está associado ao Natal na Inglaterra. Nos Estados Unidos ele é conhecido como American Robin. Esse pássaro não existe naturalmente no Brasil.
Teias De Aranha
Parábolas da Natureza, por Margaret Gatty, Paráfrase por Leslie Noelani Laurio, Tradução por Bruna Castro
Não posso esclarecer esse assunto,
mas tentarei dizer algo sobre isso,
mesmo que não ajude.
(vagamente parafraseado de The Two Voices de Tennyson)
Arateia era uma aranha jovem, faminta e ocupada. Sua mãe havia dito: "Teça uma teia, minha querida, e pegue algumas moscas. Você já sabe, então não preciso te ensinar. Mas não teça sua teia aqui no canto onde estou. Eu estou velha e tenho que ficar nos cantos, mas você é jovem e pode ir aonde quiser. Se você estivesse aqui, estaria no meu caminho. Por que você não sobe pelas vigas até que esteja a uma pequena distância e, em seguida, tece sua teia? Mas certifique-se de que não há nada embaixo de você onde você fizer sua teia. Se não houver espaço vazio embaixo da sua teia para as moscas voarem, você não pegará nada em sua teia."
Arateia era obediente e fez o que sua mãe disse. Ela se arrastou ao longo da abóbada do arco de madeira do teto da igreja onde ela e sua mãe moravam, até achar que tinha ido longe o bastante. Então, parou e olhou ao redor. Isso foi bem fácil, já que ela tinha oito olhos. Mas ela não tinha certeza do que haveria embaixo dela.
"Eu me pergunto se isso seria considerado um espaço vazio embaixo de mim?" ela disse.
Em vez de ficar pensando nisso, resolveu perguntar à mãe o que ela achava disso.
"O que eu acho sobre isso?" disse sua mãe. "Como posso pensar em algo que não posso ver? Pelo que me lembro, não costumava ter nada lá quando eu era uma aranha jovem. Mas você deveria descobrir por si mesma. Desça por um fio de seda. Você não precisa que eu te ensine como. Então você poderá ver por si mesma se há alguma coisa lá ou não."
Arateia era uma aranha inteligente, muito capaz para a nossa era moderna, então ela agradeceu a mãe pelo conselho e estava prestes a começar de novo quando teve outro pensamento. "Como vou saber se há algo lá assim que chegar?" ela se perguntou. E voltou para perguntar a sua mãe.
"O quê? Se houver alguma coisa lá, você verá, é claro!" disse a mãe, irritada com as muitas perguntas da filha. "Afinal, você tem oito olhos!"
"Obrigada, agora eu entendo", disse Arateia. Então ela correu de volta para o final da viga e começou a preparar sua seda.
Sua seda era belíssima. Era tão fina e leve que era quase invisível, tão elástica que podia ser soprada sem quebrar, um tom de cinza tão perfeito que parecia branco contra coisas pretas e preto contra coisas brancas, e tão fácil de manusear que Arateia podia fazê-la e deslizar para baixo ao mesmo tempo. Então, sempre que ela estivesse pronta para voltar, ela poderia escalá-la e enrolá-la ao mesmo tempo!
Era um tipo de corda incrivelmente maravilhosa para alguém ser capaz de fazer sem nenhum treinamento. Mas Arateia não estava convencida disso. Fazer corda de seda era para ela tão fácil quanto comer, brincar e lutar é para menininhos inteligentes. Ela não pensava mais nisso do que nós pensamos sobre mastigar nossa comida.
Como ela fez isso é outra questão. Não importa o quão inteligentes possamos ser, essa não é uma pergunta fácil de responder. Sabemos disso: há quatro fiandeiras perto da cauda de onde sai a seda, e a corda de seda é a combinação dessas quatro torcidas juntas em uma ùnica corda. Mas o fio individual de cada fieira era uma combinação de fios ainda mais finos torcidos juntos. É difícil dizer quantos fios havia em uma das cordas de seda de Arateia. É o suficiente para nós sabermos que Arateia fez sua corda de seda da mesma forma que gerações e gerações de aranhas têm feito, e não parece que o processo mudará tão cedo.
A ideia inicial era colar as pontas da corda de seda na viga e depois descer. Então os fios sairiam das fiandeiras e se retorceriam, e quanto mais a aranha se abaixasse, mais comprida a corda se tornaria.
Arateia se preparou para começar. Ela virou de costas e começou a descer.
As pontas coladas de seus fios grudaram bem, os quatro fios torcidos bem juntos, e a corda de seda descia, com Arateia guiando-a na ponta. Ela desceu para a frente da igreja [a capela-mor] . Havia painéis de carvalho lindamente esculpidos em três lados e assentos de carvalho esculpidos abaixo, com estátuas de carvalho esculpidas em cada extremidade.
Arateia estava a meio caminho do chão de pedra quando parou de girar para descansar e olhar em volta. Ela se equilibrou na ponta de sua corda de seda com as pernas enroladas ao redor dela.
"Que lugar incrível!" ela exclamou. "É bom viajar e experimentar o mundo, e ver coisas assim! É agradável bem aqui no meio. É um espaço aberto e vazio -- muito bom para as moscas voarem. Elas devem se divertir muito aqui! Mas estou com bastante fome. É melhor eu voltar e começar a tecer uma teia."
Mas quando ela se preparava para enrolar sua corda de seda e partir, um raio de sol entrou por uma das janelas. Brilhou bem em seu corpo, que ainda estava pendurado na corda de seda, e a surpreendeu com seu brilho deslumbrante. Tudo parecia estar em chamas ao seu redor, e ela girava e girava aterrorizada.
"Nossa! Nossa!" ela exclamou. Ela não sabia mais o que dizer, mas não pôde deixar de gritar. Ela fez um esforço, deu uma forte guinada e, embora a luz do sol a estivesse cegando, ela correu até o teto abobadado o mais rápido que uma aranha pode ir, enrolando sua corda de seda em uma bola enquanto avançava. E então ela começou a reclamar.
Mas não é divertido reclamar para si mesma, então ela correu de volta para a mãe no canto.
"Você está de volta tão cedo?" disse sua mãe, não muito feliz por ser perturbada novamente.
"É uma maravilha eu estar de volta!" choramingou Arateia. "Há algo lá embaixo além do espaço vazio!"
"Existe? O que você viu?" perguntou sua mãe.
"Nada! Era isso que estava errado", disse Arateia. "Não consegui ver nada por causa do brilho ofuscante e ardente. Mas foi isso que vi lá embaixo: brilho ofuscante e ardente."
"Isso é o que há de errado com os jovens de hoje!" disse sua mãe. "Eles são tão irritantes com detalhes sobre o que viram. Se a regra sobre encontrar um espaço vazio à vista não funcionou, tente outra coisa. Que tal isso: o brilho ofuscante e ardente a empurrou e fez você sair do seu caminho?"
"Não", disse Arateia, "eu mesma saí"
"Então como eles podem ser alguma coisa?" perguntou sua mãe. "Duas coisas não podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. Eu vou te mostrar -- tente entrar no meu lugar enquanto eu também estou aqui. Veja se você consegue."
Arateia sabia que isso não era possível, então nem tentou. Mas ela sentou-se muito silenciosa, imaginando que o brilho ofuscante e ardente poderia ser feito se não fosse nada. Este era um quebra-cabeça que poderia tê-la deixado perplexa para sempre! Felizmente, sua mãe interrompeu-a sugerindo que ela fosse encontrar algo para fazer. "Não posso me dar ao luxo de compartilhar o que eu pego na minha teia com você", disse ela.
"Tudo bem, mas você vai se arrepender se o brilho ofuscante e ardente me matar", disse Arateia, em tom de reclamação.
"Não tenha medo do brilho ofuscante e ardente", exclamou a mãe aranha. Ela estava ficando com raiva. "Aposto que estão apenas um pouco mais claros do que o normal. Mesmo aqui em cima, nos cantos escuros, a luz às vezes varia mais ou menos. Você está falando besteira, minha querida."
Então Arateia saiu em silêncio. Ela não ousou perguntar o que era "luz", embora quisesse muito saber.
Mas ela se sentia frustrada demais para tecer uma teia. Ela estava mais interessada na busca da verdade do que na busca pelo jantar. Isso prova que ela não era uma aranha comum! Resolveu descer, mas em outro lugar, e ver se encontrava algum lugar que estivesse realmente vazio. Se ela o encontrasse, teceria uma teia lá.
Então ela se moveu quinze centímetros inteiros para o leste, e essa foi uma jornada muito bem-sucedida. Quando ela desceu, seu humor melhorou. "Parece bom até agora! Acredito que finalmente não encontrei nada! Isso é maravilhoso!" Ao dizer isso, ela ficou pendurada na ponta de seu fio de seda, divertindo-se imensamente. De repente, a porta do lado sul da igreja se abriu e uma forte rajada de vento soprou. Era uma noite de vento, e o vento balançava sua corda de seda, com Arateia na ponta. Ela foi balançada para frente e para trás no ar até ficar tonta.
"Céus!" ela gritou, "Agora o que devo fazer? Eu pensei que não havia nada aqui além de um espaço vazio para as moscas voarem!" Finalmente, em desespero, ela lutou contra o vento e conseguiu enrolar seu fio de seda e subir na viga.
Foi uma sorte para ela que uma mosca preguiçosa e meio morta estivesse rastejando por lá naquele momento. Ela se lançou sobre ela, matou-a e sugou seus sucos antes que ela soubesse o que havia acontecido com ela. Então, depois de jogar a carcaça dela para o lado, Arateia voltou para a mãe e contou o que havia acontecido, embora não muito claramente. Sua própria opinião era que sua mãe não sabia do que estava falando quando disse que havia um espaço vazio sem nada dentro.
"Você disse que o brilho ofuscante e ardente não era nada", ela exclamou, "mesmo que eles tenham me cegado, porque conseguimos estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. Você disse que eles não poderiam estar no mesmo lugar que eu se eles não fossem alguma coisa. Agora você está me dizendo que essa nova coisa não é nada porque eu não consigo vê-la, mesmo que ela continue me soprando no meu lugar. Não gosto das suas regras! Para que servem se não posso depender delas? Acho que você não sabe muito sobre o que está lá embaixo, é isso que eu penso."
Se a cabeça de Arateia estava tonta e confusa por ser soprada pelo vento, a cabeça de sua mãe estava tonta e confusa com o raciocínio de Arateia.
"Que diferença faz o que há lá embaixo", disse sua mãe, "desde que haja espaço para as moscas voarem? Eu gostaria que você voltasse e tecesse sua teia."
"Não sei que diferença faz! É isso que eu quero saber!" disse Arateia, mas ela correu de volta para a viga. Ela queria ser obediente e tecer sua teia. Mas ela demorou, pensou, imaginou e procrastinou, até que o dia estava quase no fim.
"Vou descer mais uma vez", ela finalmente disse para si mesma, "e dar mais uma olhada ao redor."
Então ela desceu, ainda mais desta vez do que antes. Então ela parou para descansar como de costume. Depois de descansar um pouco, ela se sentiu um pouco mais aventureira. "Vou descobrir o que há aqui indo até o fundo", pensou ela. "Vou ver até onde vai o espaço vazio." E ela recomeçou a fiandeira e desceu ainda mais.
Sua corda de seda certamente era uma coisa maravilhosa para poder levá-la até o chão sem quebrar. Em poucos segundos, Arateia estava no chão frio de pedra da igreja. Mas ela não gostou da sensação, então ela correu o mais rápido que pôde. Assim, felizmente, ela chegou a um degrau de madeira. Ela se apressou e rastejou para um canto para tomar fôlego. "Que lugar estranho!" ela pensou. "Você nunca sabe o que esperar! Vou descansar um pouco e depois voltar, mas vou ter que esperar até poder ver um pouco melhor."
Mas era quase noite e a luz estava diminuindo. Ela se cansou de esperar para ver melhor e saiu de seu esconderijo para olhar em volta. A igreja inteira estava escura.
Não é tão ruim ficar no escuro quando você está confortável na cama, mas é assustador quando você está muito longe de casa, perdido e não sabe o que pode acontecer com você no minuto seguinte. Arateia já havia estado no canto escuro com sua mãe antes e não tinha pensado nisso. Mas agora ela estava com medo e se perguntava do que era feita essa terrível escuridão.
Então ela pensou nas regras de sua mãe e ficou frustrada.
"Não consigo ver nada e não consigo sentir nada", ela pensou, "mas há algo aqui que está me assustando demais."
Por fim, seu terror a deixou desesperada e ousada. Ela procurou por sua corda de seda. Lá estava ela, sã e salva, então ela deu um pulo. A corda se enrolou e ela subiu, cada vez mais alto, no ar escuro. Ela não conseguia ver nada. Ela não conseguia sentir nada, exceto o terrível medo dentro de si. Quando chegou à viga, estava exausta e adormeceu.
Devia ser tarde quando ela acordou na manhã seguinte porque o som da mùsica do órgão foi ouvido através da igreja. O som vibrava agradavelmente sobre seu corpo, subindo e descendo como rajadas de vento, aumentando e diminuindo como ondas do mar,se juntando e desaparecendo como névoa no céu.
Ela se abaixou em sua corda de seda para observar. Ela não conseguia ver nada que pudesse ter causado essas sensações. Mas enquanto ela estava pendurada ali, suspensa por seu fio, ela teve ainda mais novas sensações. Era outono e havia um festival da colheita em andamento. Grandes lírios brancos foram combinados com sempre-vivas e enrolados em torno dos pilares esguios dos painéis de carvalho. O ar estava cheio de seu cheiro forte. No entanto, nada a perturbou ou a tirou de seu lugar. A luz do sol entrava pelas janelas. Parecia quente em seu corpo, mas não parecia interferir em mais nada. Ao mesmo tempo, ela ouviu mùsica e oração, de qualquer maneira que as aranhas possam ouvir esse tipo de coisa. Talvez ela tenha experimentado isso como os surdos podem experimentar o som ao sentir as vibrações. Uma porta se abriu e uma brisa balançou sua corda de seda, mas ela resistiu. Assim, mùsica, oração, sol, brisa e perfume estavam todos no mesmo lugar ao mesmo tempo. Na verdade, Arateia estava lá com eles, e ela podia ver as moscas zumbindo lá em cima.
Isso é tudo que ela precisava saber. Ela voltou para a viga, escolheu um lugar e começou a tecer uma teia. Antes do anoitecer, sua teia estava terminada e ela capturou e comeu sua primeira presa. Então ela limpou os restos de sua teia e sentou-se para refletir e pensar. Arateia era agora uma filósofa. Ela havia descoberto o que tudo isso significava enquanto estava tecendo sua teia. À medida que ela cruzava e colava os fios, suas ideias ficavam cada vez mais claras -- pelo menos parecia, o que era igualmente bom. Cada fio que ela amarrava trazia um pensamento próprio, assim:
"O conceito de espaço vazio é apenas um conto de velhas", e ela colou um fio. "A visão e o tato não são guias muito precisos", e enquanto esse pensamento cruzou o primeiro, ela cruzou um fio com o outro. "Duas ou três coisas podem facilmente estar no mesmo lugar ao mesmo tempo--" esse pensamento era vago até que ela o esclareceu com outro pensamento ao mesmo tempo em que apertou um fio solto: "Luz do sol e vento e cheiro e som não movem uns aos outros para fora de seus lugares", e então parecia mais firme no lugar. "Se você sente algo, é porque algo está causando isso, quer você veja ou sinta, mesmo se não souber o que é" esse pensamento era tão maravilhoso quanto o fio que se enrolava em torno de toda a teia e a fixava seguramente em vários lugares."Luz, escuridão, sol, vento, som, sensações, medo e prazer -- nenhum deles preenche o espaço de modo que as moscas não possam voar ao redor." Os pequenos fios entrelaçados pareciam muito bonitos enquanto ela os colava, e seus pequenos pensamentos eram igualmente satisfatórios.
"Há tantas coisas sobre as quais não sei muito!" e a teia ficava mais espessa a cada minuto."Talvez haja ainda mais além -- muito mais, muito mais -- além." E ela continuou repetindo essas palavras até que sua teia terminasse. Quando ela relaxou e refletiu depois que sua primeira presa foi comida, ela começou a repetir essas palavras novamente. Ela não conseguia pensar em nada mais sábio ou melhor para dizer. Mas isso não é surpresa. Afinal, quando seus pensamentos foram todos juntos, eles não formaram nada além de uma teia de aranha!
Bem mais tarde, quando uma vassoura varreu aquela teia junto com outras do teto, Arateia não estava mais lá. Ela morreu e uma nova geração de aranhas herdou sua sabedoria de teia de aranha. Mas era apenas a sabedoria das teias de aranha, então as aranhas ainda são apenas aranhas, e ainda tecem suas teias nos tetos das igrejas sem nunca entender o mistério das coisas que não podem ver aqui embaixo.
NOTA DA TRADUTORA: Alterei o nome original da aranha de Twinette para Arateia, assim as crianças podem entender melhor a analogia e trocadilho.